Este Ă© o álbum que escutei muitas horas em quartos cheios de fumo e copos meio vazios, em noites de conversas e jogos de cartas. É o álbum que se escuta com os amigos enquanto as palavras passam. E Ă©, surpreendentemente, um álbum de Beck Hansen. No entanto, “Mutations” Ă© a excepção na discografia do genial compositor americano. Filho de pais hippies e com ligações Ă Factory de Andy Warhol, Beck cedo chega Ă s playlists americanas com “Loser”, em 1994. Depois de dois álbuns “oficiais” (“Mellow Gold” e “Odelay”) e alguns álbuns em editoras independentes(como o Ă© “Mutations”), chegam uma dĂşzia de mĂşsicas feitas durante e pouco depois da tour de Odelay, atravĂ©s da editora Geffen, sendo assim um “intervalo” na sua relação com a DCG. Segundo alguns, produzido como um álbum dedicado Ă namorada, que nĂŁo se identificaria com o pĂłs-modernismo arty dos álbuns anteriores, “Mutations” surgiria assim como um álbum menor, um “desvio” de Beck. Deixemo-nos porĂ©m de maledicĂŞncias (o Big Brother Famosos existe para quĂŞ? ), para constatar o Ăłbvio: “Mutations” Ă© uma obra-prima. Consegue trazer precisamente o que faltaria ao som pastiche e frĂvolo de “Mellow Gold” : uma melancolia construĂda ou em lamentos amorosos (parecem tĂŁo sarcásticos em Beck) em “Nobody’s Fault But My Own” ou em roucos ambientes fim-de-festa, como em “Dead Melodies” ou “Static”.
NĂŁo deixam de existir, no entanto, os pormenores de barroco non-sense que personifica Beck, começando no artwork, percorrendo as letras e acabando em alguns arranjos imprevisĂveis e geniais. Como em “Tropicalia”. Ficamos a saber que existe pelo menos um americano que nĂŁo olha exclusivamente para o umbigo, e consegue atĂ© antecipar a moda do revivalismo da Bossa-Nova e da Tropicália, que se iria extender a muitos domĂnios do rock mais arty ou da electrĂłnica.
Nota-se tambĂ©m um crescendo da agressividade ao longo do álbum, com as guitarras elĂ©ctricas (!), subtis no inĂcio, em todo o seu esplendor em “Diamond Bullocks”, em momentos de explosĂŁo psicadĂ©lica.
“Mutations”, sem ser o Ăcone da “junk culture” que Beck personifica, faz parte da sua discografia como um momento quase introspectivo, relaxado, recorrendo ao seu enorme leque de recursos sonoros com muito mais sentido do que em qualquer outro álbum. Ou seja, evita o psicadelismo por si sĂł, dá-lhe forma e, por incrĂvel que pareça, profundidade.
Psicadelismo esse que se iria extender a “Midnite Vultures”, um álbum de néons verdes e magentas, de uma overdose de cinismo fin-de-siècle. “Sea Change” viria em 2002.