DISCOS
The Curtains
Calamity
· 16 Out 2006 · 08:00 ·

The Curtains
Calamity
2006
Asthmatic Kitty
Sítios oficiais:
- Asthmatic Kitty
Calamity
2006
Asthmatic Kitty
Sítios oficiais:
- Asthmatic Kitty

The Curtains
Calamity
2006
Asthmatic Kitty
Sítios oficiais:
- Asthmatic Kitty
Calamity
2006
Asthmatic Kitty
Sítios oficiais:
- Asthmatic Kitty
O regresso do ex-Deerhoof Chris Cohen ao seu projecto mais linearmente pop torna inevitável o verter de lágrimas sobre o leite derramado.
Há algo de morbidamente irritante na postura do prodígio que vira as costas à sua vocação mais proveitosa para se dedicar a outra bem mais próxima daquilo que se pode tomar como manifesto espontâneo de um autismo passional. Antes de integrar os veneráveis Deerhoof, Chris Cohen já sonhava a pop solarenga ao abrigo de uns Curtains que consistiam basicamente num projecto flexível à vontade do próprio e dos músicos que decidisse convidar a pactuar consigo. Sem pressões. Tão despretensiosamente quando pode ser um autêntico veículo indie. Chris Cohen decidiu-se há alguns meses por abandonar os Deerhoof e a reactivar os Curtains que, afectivamente, nunca tinha abandonado em definitivo. Isso não incomodaria ninguém se, entretanto, Chris não tivesse oferecido a sua guitarra à trilogia mais áurea e madura que cumpriram os Deerhoof até aqui: pasmavam então os ouvidos perante a química que faz transbordar a esgrima lúdica de guitarras - partilhada com o mais extrovertido John Dieterich - aos sagrados Apple O’, a ópera Milk Man e Runners Four. É triste constatar que o que foi não volta a ser. Tal como era triste (e profundamente absurdo) encontrar um Michael Jordan refugiado no universo do basebol, quando o mundo inteiro à sua volta sabia que tinha nascido para jogar basquetebol.
Nesses moldes, sucede-se vezes sem conta o cenário clássico do musculado Johnny Rambo dedicado à cultivação de brócolos e nabos, relutante em voltar a ser a máquina de guerra de que depende o equilíbrio colectivo da nação. Atendendo à electrificante generosidade que partilharam com o Lux, em Lisboa, ainda este ano, os Deerhoof parecem não acusar assim tanto a privação de Chris Cohen. Soa cruel - para com o contributo de Chris – colocar as coisas nestes termos, mas a dolorosa verdade é mesmo esta. Perante esta mudança, sobra a admiração pela ousadia de quem opta por, a partir de certa altura, dar a beber a sua criatividade a partir de um Graal mais tosco e discreto. Sobra um par de rasteiras irónicas que prega uma interpretação literal das palavras que acompanham a ocasião: curtains no lugar do véu atrás do qual se esconde a pueril alma de Chris Cohen e calamity como tragédia que a vontade humana é incapaz de evitar. Certeiras como um bang bang.
Mas Calamity nem sequer é uma tragédia – quanto muito, qualificar-se-ia como tropeção menor ou capricho adoptado por quem não suporta a pressão. Até porque Calamity encontra-se repleto de rendilhados extraídos a guitarra em descontraída deriva por entre uma mais presente influência da surf music e os riffs Lego típicos de Chris Cohen. Repleto de aproximações a uma pop mais inventiva (como acontece no reggae esquelético de “Invisible String”, que espreita um experimentalismo supostamente ingénuo) e de aplicações actualizadas das boas vibrações - colheita de década de 60 - dedilhadas numa guitarra que, de um modo bem mais discreto que o de Dieterich, ia colorindo o horizonte Manga-californiano aos discos de Deerhoof e que, por esta ocasião, frisa os prazeres às coisas simples da vida – uma aula de natação, uma visita ao museu, chá e bolinhos (contempladas com algumas interrogações e alguma dose de indecisão). E tudo isto abençoado pela liberdade de movimentos que oferece uma carta verde com licença para anexar um pouco de tudo à guitarra central: pianos matinais, xilofone, bateria tonificante, trombone. Chris Cohen não esquece as qualidades da salada russa e toma conta de todos os instrumentos excepto o trombone.
Deduzidos os contras a uns quantos prós e sobra um disco de fé cega, um voluntário passo atrás rumo a uma pop elíptica que em várias vezes é apenas o esboço cartoonesco de si mesma (esqueçam a lavagem cerebral da fórmula “verso-refrão-verso”). Enfim, Calamity dá-se por feliz no papel de confecção assumidamente caseirinha e contenciosamente low-profile. À distância de apenas 6 meses que sejam da sua amigável ruptura com os Deerhoof (que, a certa altura, mantinham laços criativos com os Curtains), já é viável imaginar Chris Cohen a apontar para a temível criatura estampada na capa de Milk Man, disco de culto instantâneo, e a partilhar com os seus netos amenas confissões nostálgicas: Reparem em como eram loucos os primeiros anos do milénio, meninos. O avô Chris esteve lá. O que impede Calamity de ser um excelente disco será precisamente a incapacidade de arranjar forma de teletransportar quem escuta até um qualquer “lá” personalizadamente pop. Até àquela açucarada e distante sintonia melodiosa que Chris Cohen relegou para um plano secundário e que agora voltou a despertar, sem denunciar qualquer compromisso perante quem dele esperasse um pouco mais do que isto.
Miguel ArsénioNesses moldes, sucede-se vezes sem conta o cenário clássico do musculado Johnny Rambo dedicado à cultivação de brócolos e nabos, relutante em voltar a ser a máquina de guerra de que depende o equilíbrio colectivo da nação. Atendendo à electrificante generosidade que partilharam com o Lux, em Lisboa, ainda este ano, os Deerhoof parecem não acusar assim tanto a privação de Chris Cohen. Soa cruel - para com o contributo de Chris – colocar as coisas nestes termos, mas a dolorosa verdade é mesmo esta. Perante esta mudança, sobra a admiração pela ousadia de quem opta por, a partir de certa altura, dar a beber a sua criatividade a partir de um Graal mais tosco e discreto. Sobra um par de rasteiras irónicas que prega uma interpretação literal das palavras que acompanham a ocasião: curtains no lugar do véu atrás do qual se esconde a pueril alma de Chris Cohen e calamity como tragédia que a vontade humana é incapaz de evitar. Certeiras como um bang bang.
Mas Calamity nem sequer é uma tragédia – quanto muito, qualificar-se-ia como tropeção menor ou capricho adoptado por quem não suporta a pressão. Até porque Calamity encontra-se repleto de rendilhados extraídos a guitarra em descontraída deriva por entre uma mais presente influência da surf music e os riffs Lego típicos de Chris Cohen. Repleto de aproximações a uma pop mais inventiva (como acontece no reggae esquelético de “Invisible String”, que espreita um experimentalismo supostamente ingénuo) e de aplicações actualizadas das boas vibrações - colheita de década de 60 - dedilhadas numa guitarra que, de um modo bem mais discreto que o de Dieterich, ia colorindo o horizonte Manga-californiano aos discos de Deerhoof e que, por esta ocasião, frisa os prazeres às coisas simples da vida – uma aula de natação, uma visita ao museu, chá e bolinhos (contempladas com algumas interrogações e alguma dose de indecisão). E tudo isto abençoado pela liberdade de movimentos que oferece uma carta verde com licença para anexar um pouco de tudo à guitarra central: pianos matinais, xilofone, bateria tonificante, trombone. Chris Cohen não esquece as qualidades da salada russa e toma conta de todos os instrumentos excepto o trombone.
Deduzidos os contras a uns quantos prós e sobra um disco de fé cega, um voluntário passo atrás rumo a uma pop elíptica que em várias vezes é apenas o esboço cartoonesco de si mesma (esqueçam a lavagem cerebral da fórmula “verso-refrão-verso”). Enfim, Calamity dá-se por feliz no papel de confecção assumidamente caseirinha e contenciosamente low-profile. À distância de apenas 6 meses que sejam da sua amigável ruptura com os Deerhoof (que, a certa altura, mantinham laços criativos com os Curtains), já é viável imaginar Chris Cohen a apontar para a temível criatura estampada na capa de Milk Man, disco de culto instantâneo, e a partilhar com os seus netos amenas confissões nostálgicas: Reparem em como eram loucos os primeiros anos do milénio, meninos. O avô Chris esteve lá. O que impede Calamity de ser um excelente disco será precisamente a incapacidade de arranjar forma de teletransportar quem escuta até um qualquer “lá” personalizadamente pop. Até àquela açucarada e distante sintonia melodiosa que Chris Cohen relegou para um plano secundário e que agora voltou a despertar, sem denunciar qualquer compromisso perante quem dele esperasse um pouco mais do que isto.
migarsenio@yahoo.com
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