DISCOS
Stephan Mathieu & Janek Schaefer
Hidden Name
· 13 Out 2006 · 08:00 ·
Stephan Mathieu & Janek Schaefer
Hidden Name
2006
Crónica / Matéria Prima


Sítios oficiais:
- Stephan Mathieu & Janek Schaefer
- Crónica
- Matéria Prima
Stephan Mathieu & Janek Schaefer
Hidden Name
2006
Crónica / Matéria Prima


Sítios oficiais:
- Stephan Mathieu & Janek Schaefer
- Crónica
- Matéria Prima
Memorial impalpável de ponderada caça aos fantasmas confirma momentos iluminados por parte da Crónica e do cada vez mais incontornável Janek Schaefer.
Por motivações supostamente históricas, não surpreende que tenha sido o cinema norte-americano a instituir a Ocidente a noção de que um fantasma tem de equivaler forçosamente a uma presença maligna - sempre pronta a atormentar criancinhas e a demover residentes de se mudarem para um casebre sustentado por pregos enferrujados. Em contraponto a essa simplificação, o cinema oriundo do Japão diferencia-se pela variedade de qualidades atribuídas aos seus fantasmas – não existe polarização que os impeça de serem benignos, entranhados num terreno ou apenas dedicados a uma vigilância passiva. A partir de uma localização Europeia neutra, os magos Stephan Mathieu e Janek Schaefer desenvolveram um método absolutamente plausível de enclausurar num disco o que se ressente à presença de um fantasma criativo, que, neste caso, sobreviveu à presença em vida de um compositor clássico numa quinta situada no sul de Inglaterra. Ocuparam-se os dois de resgatar ao pó de um sótão instrumentos como o clarinete, flauta, piano e trompete (quase sempre, indistinguíveis ao ouvido), somar os sons captados a partir desses e field recordings extraídos a toda a área, e, em processo laboratorial de estúdio, aproveitar para a substanciação do fluxo o que de mais essencial representasse uma presença carismática e espiritualmente densa na dita propriedade.

Dito assim, quase parece Hidden Name um disco esotérico para servir ao transcendentalismo moderno a que almejam todos os produtos tendenciosamente new age ou aqueles promovidos pela Maya em serviços publicitários mais obscuros. Nada mais errado. Hidden Name aborda essencialmente o processo de privação que pode eventualmente sofrer um lugar, que comporta as suas próprias mudanças e historial. Fá-lo ponderadamente a partir do reaproveitamento de um espaço, que em tempos conheceu avidamente música clássica e que agora proporciona a acústica certa à suspensão demorada das caudas sónicas – entretanto tornadas imperturbavelmente horizontais – obtidas a partir da execução dos referidos instrumentos, que, pontualmente, vêem o seu sonambulismo perturbado por sons recuperados à fauna animal que circunda a zona como abutres oriundos do além e outras texturas mais granulares repescadas a empoeirados e crepitantes discos em vinil (Schaefer é um vanguardista inconformado com as limitações convencionais do formato). E tudo isto procede-se com base numa filtragem sensível do que mais bucólico, intemporal e representativo do seu ambiente de origem pode libertar um acervo de recursos que, na prática, nunca correspondem musicalmente ao que se espera deles (não há como diagnosticar qualquer ortodoxia a “Quartet for Flute, Piano and Cello”). Em certas alturas, as manipulações de Mathieu e Schaefer projectam em tal órbita os sentidos, que passa o suporte físico do disco a parecer um fardo por contraste com o estado graciosamente gasoso do som em si.

No enquadramento dos exercícios mais lineares, torna-se especificamente proibitivo invocar o adjectivo ambient, quando as formas isométricas parecem verter – em espiral - a sua constituição para dentro de um poço sem fundo - a que não se escutam ecos, repercussões conclusivas do início de um qualquer movimento. Até porque Hidden Name não impõe balizas aos seus corpos alheados de pressão gravítica ("The Planets", por exemplo, é gloriosamente infinito e impossível de ser fragmentado), limitando-se a oferecer uma oportunidade temporalmente cronometrada de se avaliar o que produz a ressonância fantasmagórica que, em tempos, estigmatizou o espaço ao qual foi gravado um som no seu estado bruto para servir ao presente disco.

Além da infinidade de leituras que oferece a quem nele se atrever a aventurar, Hidden Name anula quaisquer reticências que pudessem pairar sobre as certezas de que este tem sido um ano abundantemente generoso (e beneficamente imprevisível) por parte da portuense Crónica (se exceptuarmos o meio-deslize – formalmente justificado – verificado no disco de Gintas K) e de que é prioritário acompanhar o desafiante percurso que vem a percorrer, desde há dez anos, o infalível Janek Shaefer, que, entre tantos outros pontos altos, já havia explorado o potencial claustrofóbico do espaço de Serralves numa performance que tratou de documentar a Sirr em Black Immure: music from the Casa of Serralves. E quem já andou por Serralves, sabe bem como é doloroso virar-lhe as costas num domingo solarengo. Nessas ocasiões, tal como nas que se verificam à escuta de Hidden Name, sobram os fantasmas e o comportamento que esses assumem. Hostil ou pacifico, conforme a percepção de cada um.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com

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