DISCOS
The Organ
Grab that gun
· 02 Out 2006 · 08:00 ·
The Organ
Grab that gun
2006
Too Pure / Popstock!


Sítios oficiais:
- The Organ
- Too Pure
- Popstock!
The Organ
Grab that gun
2006
Too Pure / Popstock!


Sítios oficiais:
- The Organ
- Too Pure
- Popstock!
Pop-rock canadiana obtusamente retro gera a mesma espécie de terror que o título escolhido por George Lucas para o segundo capítulo da sua saga estelar.
A história repete-se. Neste caso, em dois planos paralelos e conjugáveis para servirem a esta introdução. Quando a sobriedade escasseia num carro onde são mais as pessoas que lugares disponíveis, é praticamente inevitável que a frequêcia eleita pelo colectivo seja uma qualquer aleatoriamente resgatada à obscuridade da banda hertziana AM. O FM será demasiado diurno e corriqueiro para ser privilegiado pelos critérios de uma turba que entra em efervescência ao mínimo contacto com um hino nostálgico. Na roleta que é a banda AM, as probabilidade de se escutar um noticiário em árabe são mais que muitas, mas a divertida estranheza que proporciona isso desgasta-se em segundos (e ninguém gosta de interromper o entretenimento a alguém prestes a vomitar). A caça grossa de um ouvido sedento de non-sense encontra-se, na verdade, em sucessos românticos cantados em português (Tony De Matos continua a ser ouro) ou em êxitos da década de 80 (a mais afecta à memória da geração de quem aqui escreve), preferencialmente surgidos da gloriosa facção “cock rock”.

Surpreendentemente (ou nem tanto), esclareça-se de imediato que seriam facilmente confundíveis entre a poeira AM estas The Organ, que surgem em cena com o duplo sopro “hype-lógico” da origem canadiana (Vancouver) e de digressão partilhada com os Kaiser Chiefs (levantem as mãos os quatro fãs que sobreviveram à euforia). Ou seja, não podia ser mais pornograficamente retro e eighties este debute a que foi atribuído o infeliz título Grab that gun. O pior mesmo é pensar que as aspirações das The Organ (eliminar o “the” é opcional) não superam sequer o tempo votado ao noticiário árabe, que é de um valor foneticamente experimental muito mais cativante que qualquer coisa que aqui se escuta.

Repete-se então – desta vez, no tal segundo plano – a recuperação alarvemente química de um rock que tresanda a década de 80, perdido entre as imagens – instituídas pelos telediscos - das árvores em desfolhagem, jovens de cabelo curto pintado de negro com galochas e todo um cenário outonal desfocado (nada se compara à Sinead O’Connor a vaguear por um deserto emocional sobreposto ao seu rosto sofrido). Ao longo de uma dezena de sofríveis ou perfeitamente indiferentes faixas, desfilam canções de angústia em estado de moderação, riffs decalcados à parcela feminina da escola 4AD e, inevitavelmente, o órgão de Jenny Smyth que, em demasiadas alturas, parece perdido numa imperturbável monotonia capaz de rivalizar com o ânimo habitual do anão Soneca. A vocalista Katie Sketch faz o possível para soar ao correspondente feminino de Morrisey, mas nunca chega a ser mais que o seu esboço grosseiro. No melhor dos casos, escassa parte disto poderia eventualmente figurar no lado-b dos lados-b que os Cure compilaram nas veneráveis reedições luxuosas de discos como Faith ou Pornography. Num cenário comercialmente apetecível, Grab That Gun representa o milionésimo anúncio sonoro de grande porte dedicado às vantagens de usar sapatilhas Converse.

Podia até alongar-me num parecer que rematasse o caso, mas suspeito que grande parte dos leitores do Bodyspace disponham ou tenham a mínima familiaridade com o tipo de telediscos que emite o canal VH-1. Na eventualidade de alguém desejar querer saber um pouco mais sobre as autoras de Grab That Gun, aconselha-se a consulta aos blocos que o VH-1 dedica diariamente à revisão dos anos 80. A todos os outros, resta a hipótese de sintonizarem um destes dias uma qualquer frequência AM e depararem-se muito provavelmente com algo bem mais divertido que estas The Organ, que, por este andar, muito em breve adormecerão no esquecimento que parecem querer reavivar a todo o custo, independentemente do tédio que esse possa provocar.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com

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