DISCOS
The Appleseed Cast
Peregrine
· 29 Set 2006 · 08:00 ·
The Appleseed Cast
Peregrine
2006
Militia Group / Gentlemen Records / AnAnAnA


Sítios oficiais:
- The Appleseed Cast
- Militia Group
- Gentlemen Records
- AnAnAnA
The Appleseed Cast
Peregrine
2006
Militia Group / Gentlemen Records / AnAnAnA


Sítios oficiais:
- The Appleseed Cast
- Militia Group
- Gentlemen Records
- AnAnAnA
Ao dar com a nariz na porta da estagnação, o rock mais emocional caminha em peregrinação até uma meta pós-rock. As etapas variam de qualidade.
Para uma qualquer banda aprisionada a uma convenção EMO entranhada por efeito de primeiros discos, garantir uma comparação minimamente credível aos Radiohead será como ganhar a lotaria. É tão matemático e fatal o mecanismo de causa-efeito, que a certa altura passa a ser sintomática (e merecedora de desconfiança) a associação que atraia até uma mesma balança a banda de Thom Yorke e um EMO que se decidiu a uma emancipação sofisticada, a baralhar as peças do seu reflexo. Um género encapuçado pelo seu próprio cariz sentimental que se recusou a assentar carris numa via meramente acessória e superou as limitações da sua própria natureza através da inserção de recursos elaborados e retoques sofisticados que afastariam imediatamente da escuta o admirador comum de Dashboard Confessional (que contam actualmente com um disco desastroso). Não será segredo para alguém minimamente atento (o AllMusic comprova-o muito directamente) a constatação de que coube aos dois volumes de Low Level Owl, lançados pelos Appleseed Cast no mesmo ano de 2001, a maior quota parte de responsabilidades na atracção magnética entre os seus autores e os Radiohead. Podia até essa ser descabida, mas ambos os Low Level Owl preservam indicies suficientes de imaginação para se abrigarem à sombra da dupla Kid A / Amnesiac – e isso percebe-se evidentemente a um trabalho de ambição, que pouco ou nada mantém do rock perspectivado a partir do seu ângulo mais emocional (tal como os seus análogos já não exibiam marcas evidentes de brit-pop). Pela força do raciocínio, acreditar-se-ia que o novo disco dos Appleseed Cast apresentasse as novidades que se antecipam ao sucessor de Hail to the Thief. Antes fosse. Peregrine parece-se muito mais com um daqueles discos que morre na praia. Fá-lo em relativa glória, acrescente-se.

Bem esclarecedor é o título Peregrine, que resume por si só o sentimento actual dos Appleseed Cast – o do colectivo cicatrizado que, após várias mutações, preserva apenas dois dos meus membros originais, os basilares Chris Crisci e Aaron Pillar, que convocaram para este trabalho a bateria de Nathan Richardson (que já nos cessados Casket Lottery exibia uns detalhes que o colocavam uns furos acima de um qualquer tarefeiro). Peregrine também em jeito de referência às barreiras superadas para levar avante uns Appleseed Cast que, após a saída da Deep Elm, nunca mais recuperaram o direito a uma permanência editorial estável e que, por diversas vezes, viram abalada a popularidade nos Estados Unidos por alguma falta de zelo por parte das labels ou por nunca terem sido capazes de superar ou acrescentar muito mais ao generoso cofre de ideias que havia armazenado o referido trabalho Low Level Owl.

Contextualizada a peregrinação no que respeita a percurso, acrescente-se que a música escutada ao disco também não se desvia muito do que o título ameaça – guitarras fluidas incumbidas de impor distâncias, manipulações digitais (inversões e deformações subtis) e detalhes pontuais (as linhas de xilofone) no papel de anuladores de estruturas pré-programadas, uma toda-poderosa percussão que, em certas alturas, parece carregar todo o peso do disco (convenientemente potencializada na imensa “Ceremony”) . Todos esses combinados conspirativamente em defesa de um sentimento pós-rock que demasiadas vezes emite aquele tipo de bandas que parecem ter sido banidas do fim do mundo. Até aí nada de especialmente instável interrompe o andamento às roldanas de Peregrine, mas os maiores receios materializam-se quando “Here We Are (Family in the Hallways)” se revela um descartável sucedâneo dos Promise Ring dos últimos discos ou no preciso momento em que o refrão de “Sunlit and Ascending” deixa escapar uma açucarada e embaraçosa ambição FM apenas sabotada pela incapacidade da mesma em ser uma “canção” de corpo inteiro. Vale ao equilíbrio uma "Mountain Halo" que é puro ouro Nintendo, no modo como repete duas linhas 8-bit paralelas e as associa a uma estrutura rock simples na feitura de um jogo de plataformas que progride em descida.

Peregrine peca essencialmente por se esforçar demasiado em alcançar momentos tão espontaneamente surpreendentes e convincentes como “Mountain Halo”. Mesmo assim, será dos melhores discos dos Appleseed Cast. Isto apesar do peso que sobre ele exerce a por demais evidente certeza de que a peregrinação terá conduzido até a um beco sem saída, a um labiríntico e disperso marasmo criativo de que dificilmente os Appleseed Cast se conseguirão evadir.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com

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