DISCOS
Ryuichi Sakamoto
Bricolages
· 07 Set 2006 · 08:00 ·
Ryuichi Sakamoto
Bricolages
2006
KAB America / AnAnAnA


Sítios oficiais:
- Ryuichi Sakamoto
- KAB America
- AnAnAnA
Ryuichi Sakamoto
Bricolages
2006
KAB America / AnAnAnA


Sítios oficiais:
- Ryuichi Sakamoto
- KAB America
- AnAnAnA
Com o recomendável Chasm a servir de ponto de partida, Sakamoto remisturado não deixa de ser Sakamoto.
Quando trata uma qualquer ocasião de proporcionar a um talento emergente a oportunidade de prestar tributo a um músico consagrado, torna-se forçoso aplicar a inversão de Kennedy e colocar a questão do seguinte modo: Será “O que pode fazer Johnny Cash por Trent Reznor com a majestosa apropriação de “Hurt”?” ou “O que podem os Nine Inch Nails fazer para compensar a lenda de Johnny Cash por tal cortesia?”A partir daí, as hipóteses são infinitas, mas a resposta será invariavelmente a mesma: deverá Tom Waits pagar quantia que seja pelos direitos de uma canção apoderada, ou a label cedente transferir para a sua conta alguns milhares de dólares por tamanha honra? Assinalar afirmativamente a segunda será bem mais lógico, até porque ninguém actualmente vivo deve recusar o que seja a Tom Waits. Posto isto, presume-se muito naturalmente que sejam primeiras e prontas escolhas todos os músicos / estetas que Ryuichi Sakamoto convocou para remisturar as composições do seu eclético e panorâmico álbum Chasm. Junta-se o crédito ao karma acumulado e não ficam entre si endividados Sakamoto e aqueles que comissionou.

Entre os endereçados por tão prestigiante convite encontram-se nomes firmados e actuais esclarecidos da electrónica (Taylor Deupree e Aoki Takamasa), figuras de topo garantidas a três continentes (como que a frisar a universalidade de Sakamoto e do ponderado Chasm), a veterania de Steve Jansen (outrora baterista dos Japan) ou do compositor Craig Armstrong, incontornáveis magos entretanto tornados adjectivos (Cornelius e Fennesz) e as revelações por confirmar (Rob Da Bank & Mr Dan). Formou-se um agrupamento invejável e amplo na variedade de métodos que anteciparia à partida. Entende-se de forma mais clara o grau de exigência da selecção se atendermos a que a matéria-prima de Chasm havia já passado pelas mãos de colaboradores tão respeitosos quanto Ryoki Ikeda ou Arto Lindsay.

Agora que passou à condição de disco com direito ao seu próprio reflexo distorcido sob a forma de remisturas (depois de Discord também o ter sido em tempos), Chasm parece ainda mais talhado para disponibilizar as matérias necessárias aos tais Bricolages: considerável parte das suas componentes são absolutamente divisíveis (as vozes convidadas ocupam um plano distinto do piano e dos restantes instrumentos), muitas vezes o que compõe disco resulta de um processo de soma e não de fusão, o mesmo obedece a uma estrutura circular ao arrancar e terminar num tom identicamente nostálgico e radiante (que serve ao hip-hop de "Undercooled" e à elegia de "Seven Samurai"). Além disso, comporta Chasm um volume imenso de auto-suficientes matérias-primas aptas a serem manipuladas e “re-tratadas”. Muito harmoniosamente sucede-se o casamento – abençoado pela inspiração futurista da Anticon - entre o MCing que Sniper oferecia a “Undercooled” e a remodelação minimalista aplicada agora por Alva Noto, que, mais do que ninguém na actualidade, sabe como gerir as peças do puzzle Sakamoto (verifique-se isso à colaboração entre os dois celebrada em Insen).

Apesar do equilíbrio em que assenta a sua premissa, Sakamoto representa um nome com o seu próprio peso e não se estranha a Bricolages a moderação de algumas abordagens que, sem prestar vassalagem, mantêm intactos elementos vários dos originais pertencentes a Chasm. Também se deve isso ao facto de grande parte dos intervenientes já não sentirem uma necessidade jovial e urgente de se afirmarem através de manobras egocêntricas ou demonstrações de virtuosidade. Não surpreende portanto que Taylor Deupree mantenha intacta a contribuição vocal de David Sylvian numa remistura de “World Citizen”, que não deixa de apresentar valor de autor no mosaico disposto em segundo plano onde vão brotando todo o tipo de detalhes e subtilezas, que tomam o seu tempo até serem completamente digeridas. Deupree triunfa uma vez mais. Igualmente triunfante é a prestação oriunda de Chicago pela mão de Slicker (patrão da Hefty mais conhecido por John Hughes III) que, às cavalitas do hipnótico “Ngo/Bitmix”, vai do original combinado de bossa-nova e trip-hop a um samba agraciado em glitch que não se acanharia de dançar o Orfeu Negro do novo século. Nem por acaso António Carlos Jobim era mencionado como inspiração de Chasm.

Como defeitos a apontar, Bricolages merece apenas que lhe seja frisada alguma falta de imaginação nas prestações demasiado seguras e escorreitas de Cornelius e Fennesz (de que se espera mais do que o “picar de ponto”) e a falta de coragem para explorar formas inéditas de usufruir a Chasm do ataque que era “Coro” (coisa para provocar uma enxaqueca a Kid 606 ou ao colectivo Lesser) ou do beat old-school que repetia imponentemente "+Pantonal" (Diplo teria feito maravilhas com esse nas mãos). Talvez por isso, Bricolages sirve essencialmente como complemento curioso a Chasm, mas nem por isso revele acrescentos de maior relevo por parte dos que nele participam.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com

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