DISCOS
Jenny Piccolo
Anthology
· 04 Set 2006 · 08:00 ·
Jenny Piccolo
Anthology
2006
Three One G


Sítios oficiais:
- Three One G
Jenny Piccolo
Anthology
2006
Three One G


Sítios oficiais:
- Three One G
Levantamento discográfico de toda a produção acumulada por trio cúmplice dos Locust na inflamação da San Diego a ferro-e-fogo dos últimos dez anos, prima pela demonstração de quão variado pode ser o hardcore ao longo de 52 músicas enlatadas em 37 minutos.
Ao escrever o argumento para Memento, brilharete indie que cultivou um culto instantâneo, Christopher Nolan não suspeitaria que a patologia que afecta o seu personagem amnésico Leonard Shelby um dia servisse como mote para a compilação criteriosa do mais explosivo hardcore. Em poucas palavras e ao cuidado de quem ainda não viu o frenético thriller, Leonard Shelby sofre de um problema que o incapacita de armazenar continuamente informação imediata por mais de quinze minutos. Ou seja, não consegue oferecer sustento a memórias condenadas a curto prazo. Tal problema impede-o de gozar apropriadamente da escuta de um Delirium Cordia dos Fantômas ou duma suspensão “dronelógica” do mesmo acorde a cargo dos Sunn o))). No entanto, torna-o naturalmente afeiçoado ao hardcore sub-120 segundos e afirma-o como mais um padrinho espiritual do género, ao lado da lenda Charles Bronson que mereceu o estatuto pela atitude de durão. No sentido de homenagear Leonard Shelby, decidi há alguns anos reunir num disco de MP3 a maior quantidade possível de petardos HC (no sentido mais abrangente do termo) que não ultrapassassem os dois minutos de duração (muitos deles, nem sequer o minuto). As honras do tributo couberam a suspeitos do costume recuperados à Dischord e Epitaph (labels de eleição), Beastie Boys do clássico literalmente menor Aglio & Olio, Melt Banana, Circle Jerks (Group Sex não se faz velho), balas de ácido proporcionadas pelos Locust e Discordance Axis. E perto de 100 músicas seleccionadas a um fétiche pessoal chamado Spazz. Isto para explicar que na altura escapou-se à selecção muito da violência cronometrada que produz abundantemente a cena de San Diego, mas, fosse hoje, e estes Jenny Piccolo teriam um papel preponderante na elegia ao short attention span do atormentado Leonar Shelby.

Até porque em italiano Piccolo significa pequeno e, concordantemente, o avançado do Benfica Miccoli também não destoaria como front-man de um qualquer colectivo hardcore NYC, se não exibisse tão flagrante preocupação estética com as sobrancelhas. Não devem então os Jenny Piccolo negar à natureza de incendiários necessitados de tempos mínimos olímpicos para virar de pantanas a convenção verso-coro-verso a que o punk nunca deixou de prestar alguma vassalagem. Pode até à partida fazer surgir alguns dentes a mais - num sorriso sarcástico - a noção de que 26 segundos bastarão a “Jade” para ser um tiro certeiro, após ricochetear em três tempos marciais. Também suscitará alguma troça o facto desta antologia contar com 52 músicas enlatadas em pouco menos de 37 minutos, mas a banda que alguns categorizam como geneticamente gémea face aos Locust arruma o cepticismo por knock-out de variedade e generosa dose de veneno dirigível, capaz de silenciar uma turba de fresquinhos fãs dos We Are Scientists e nem sequer deixar rasto.

Atendendo a que aglomera todo o tipo de faixas recuperadas a sete polegadas, splits, compilações e inclusive ao álbum (chamar-lhe “longa duração” seria heresia) Information Battle to Denounce the Genocide, pode-se aclamar Anthology como o documento definitivo dos Jenny Piccolo e marco assinalável na história recente do hardcore do norte da Califórnia. "Heavy Metal Weekend" não engana ninguém ao seu jeito de cameo por parte de Justin Pearson dos Locust que a compôs e que lhe acrescentou o habitual tempero de mostarda sob forma de berraria arrancada ao pulmão de alguém que soa como se, naquele preciso momento, tivesse sido castrado a sangue frio. O esganiçado "Cyanide Healer" é tão frontalmente old-school como uma das primeiras fotos promocionais dos seminais e vastamente ramificados Gorilla Biscuits. Existem também uns quantos golpes que se assemelham às “malhas” mais primordiais de uns Biohazard que pareciam arrastar os riffs como se com isso procurassem edificar comportas que isolassem os seus bairros de ameaças exteriores. Há a Nova Iorque dos Unsane e a Los Angeles que originaram os Germs. Há xarope para toda a tosse e anti-corpos suficientes para elevarem os Jenny Piccolo muito acima da turba hardcore que tantas vezes se anula a si própria em marasmo indistinto.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com

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