DISCOS
Houdini Blues
F de Falso
· 06 Jul 2006 · 08:00 ·
Houdini Blues
F de Falso
2006
Cobra


Sítios oficiais:
- Houdini Blues
- Cobra
Houdini Blues
F de Falso
2006
Cobra


Sítios oficiais:
- Houdini Blues
- Cobra
Comecemos pela manchete: “Bailare” tem tudo para ser o single nacional do ano. E já agora, em pós-título, acrescente-se que F de Falso também terá entrada garantida em muitas listas de melhores do ano. Acima de tudo, o álbum mostra uma notável diversidade de influências e a vontade de criar músicas fora de modelos pré-estabelecidos e de influências (que os membros da banda terão, necessariamente) limitadoras. È difícil prender os Houdini Blues a uma etiqueta, e ao longo do disco há uma grande diversidade de ambientes. Pode-se mesmo dizer que estamos perante um trabalho heterogéneo, mas surpreendentemente coeso: a banda não mostra preocupações em seguir qualquer projecto estético, parecendo que as músicas foram sendo compostas com grande descontracção. Mas também se sente uma procura da canção pop não-estupidificante e não-redutora, e percebe-se que os horizontes do grupo vão para além dos limites da música popular de raiz anglo-saxónica.

Como em muitos outros casos recentes (Clã, Wray Gunn, Moonspell, Blind Zero, Kubik ou The Ultimate Architects), os Houdini Blues procuraram Adolfo Luxúria Canibal (um dos fundadores da editora Cobra, com mais dois elementos dos Mão Morta) para vocalista convidado. Se a maior tentação é pô-lo a narrar (ele, que até se diz diseur e não cantor), há que dizer que a banda deu a volta à situação, misturando a sua voz com a do vocalista Hugo Frota, dando-lhe versos em espanhol e enquadrando-o num flow que parece muito devedor do hip-hop. Caso resolvido: “Bailare” é um grande tema em qualquer parte do mundo e nunca um sample tão estranho (pensa-se que é de um coro da Andaluzia, retirado de uma compilação da revista Tierra, entretanto perdida pela banda) pareceu encaixar tão bem na música pop portuguesa. Mas não fica por aqui o apelo de F de Falso: em “Tudo”, por detrás de um labirinto construído a guitarra e sintetizador, a voz de Mitó Mendes (d’A Naifa) surge de uma forma algo fantasmagórica, lembrando o excelente uso que os Clã fizeram de um sample de Amália Rodrigues em “Competência para Amar”; “Ícaro” é uma espécie de punk-ska abastardado com teclados propositadamente rasca, que lhe dão um apelo dançável; “Putuária” é um tema alegre e veraneante, uma espécie de paródia aos Beach Boys; “Deus (O Teu)” aproxima-se ritmicamente da pop britânica actual (Franz Ferdinand, claro), de uma maneira menos polida; e “Duas Balas” (seria um bom segundo single) tem uma nítida inspiração spaghetti western. E ainda há recriação interessante q.b. de “Charles Manson”, gravada para um tributo aos Mão Morta que há-de sair no próximo Outuno pela mão da Raging Planet.

A nível lírico, há um enfoque na “glorificação e celebração” da falsidade, como aponta o título F de Falso, inspirado em F for Fake, pseudo-documentário de Orson Welles, que mostra o poder da manipulação através da imagem e da voz. De resto, a carreira do multifacetado norte-americano arrancou com a encenação radiofónica do romance de HG Wells, A Guerra dos Mundos, um exemplo fortíssimo de arte transformada em manipulação (ou será o contrário?). Há no disco histórias de personagens irónicas e cínicas, suficientemente poéticas e razoavelmente directas para serem apreciadas num contexto pop, chegando-se a uma forma interessante de escrever em português (depois dos dois álbuns anteriores terem seguido um registo poliglota), menos requintada do que uns Clã, mais complexa do que uns Ornatos Violeta. A vontade de mostrar orgulho na postura de falsidade está até patente na forma como Hugo Frota teatraliza por vezes excessivamente as vocalizações, cujo tema unificador podia ser resumido num verso de “Galeria dos Espelhos”: “Ergamos / Nobre causa / De viver a ludibriar”. Podia-se também entender o título F de Falso como o anúncio de uma colecção de pastiches mas, no final da audição do disco, ele só pode ser descodificado (outra vez) como ironia. Os Houdini Blues têm uma panóplia de influências e uma vontade de experimentar diferentes texturas sonoras demasiado grande para se lhes colar qualquer rótulo.
João Pedro Barros
joaopedrobarros@bodyspace.net
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