DISCOS
Mia Doi Todd
La Ninja: Amor and Other Dreams of Manzanita
· 01 Jun 2006 · 08:00 ·
Mia Doi Todd
La Ninja: Amor and Other Dreams of Manzanita
2006
Plug Research / Flur


Sítios oficiais:
- Mia Doi Todd
- Plug Research
- Flur
Mia Doi Todd
La Ninja: Amor and Other Dreams of Manzanita
2006
Plug Research / Flur


Sítios oficiais:
- Mia Doi Todd
- Plug Research
- Flur
Nem que seja por servir ao exercício da sensibilidade editorial pertencente a cada um, já ninguém parece levar a mal que um disco tão esplendoroso quanto Manzanita, que 2005 colheu à cançonetista soprano Mia Doi Todd, tenha direito à sua extensão de remisturas e pontas soltas. La Ninja opta por jogar em casa e recruta ao plantel interno da Plug Research grande parte dos magos da transformação. Como que agindo a partir da matéria decomposta que sobra a uma maçã que caiu da árvore-mãe, os talentos suspeitos fazem os possíveis para que o processo seja de reinvenção mais do que de apropriação sanguessuga - embora variem os intervenientes em termos de “justa causa” e pontualmente sejam tomadas liberdades completamente cegas face à matéria prima (não há paciência para o reciclado de trip-hop que serve Reminder). Insuspeitos são os inéditos – três originais e uma versão dos Beatles – prontinhos a saciar a sede a quem não se cansa da cidra bucólica que contém Manzanita. Disco esse em que soaria a excedente qualquer faixa que viesse a ser empilhada sobre as dez que contém. Posto isto, é cruel sequer imaginar o que faria a pressão de mais doze músicas sobre a coluna de cristal que sustém a escrita de canções de Mia Doi Todd.

Parece recuperar o tema entomológico de Phenomena, filmado pelo mestre Dario Argento, o cenário harmonioso retratado na capa de La Ninja, onde surge uma figura feminina rodeada por uma fauna onde formam variedade as alforrecas, beija-flores e cavalos-marinhos abstractos. E tal como a protagonista de Phenomena, também Todd já conheceu na pele os reveses de uma adaptação que persiste em tardar (o carimbo da Plug Research sucede a um saltitar interminável de label para label). Mas o actual momento de zen naturalista encontra Todd em sintonia com as borboletas que em “What If We Do?” impelem ao amor por via da despreocupação. Parece, aliás, ser um estar descomprometido aquele que leva Todd a obter o sumo balsâmico às linhas de guitarra acústica ou piano, que, por intuição, trata de balancear com a sua voz como se movida essa metamorfose por uma inevitabilidade fisiológica. Ocultos entre a vegetação, acabam os responsáveis pelas remisturas por ter apenas que interceptar a essência a esse fluido ininterrupto, ampliar os elementos que merecerem maior relevo e revesti-los com as cores que compõem a palete que lhes é integra. Com a sublimação do melhor que se conhece aos dois universos, os folkers Dungen obtêm uma variância verdejante-aguada para as cores que se conheciam a ambos os nomes. O mesmo não se pode dizer dos restantes becos sombreados por alguma indulgência.

Se a intenção era mesmo sondar o produto consequencial à intersecção entre os planos ocupados por Todd e músicos externos, saliente-se que já havia Manzanita contado com os preciosos contributos de membros dos Dead Meadow (no arrebatador “The Way”) ou dos Brian Jonestown Massacre, arqui-rivais dos Dandy Warhols (num feudo que tratou de documentar o filme Dig!). Ou seja, não surpreende encontrar estilizada na passerelle de remisturas alguém que recentemente havia convivido (e encaixado na perfeição) com a nata do indie californiano. Acabam por borrar o bom nome à parceria saudável o desempenho de Jimmy Tamborello (aliás DNTEL) que reveste de pop desfragmentada “Deep at Sea”, com a parcialidade e imprecisão de um talhante embriagado – peca a metade dos Postal Service por utilizar demasiadas vezes a mesma electrónica esférica e sintetizadores que descarta no trabalho em nome próprio. Inenarrável é o sufoco urbano com que se ocupa Flying Lotus de intoxicar todo o espaço livre a “My Room is White”.

Como já fazia suspeitar o fim do primeiro parágrafo, redime-se La Ninja pela curiosidade que suscitam as faixas que pertencem à responsabilidade exclusiva de Mia Doi Todd (isto se exceptuarmos a produção de Adventure Time (Daedelus e Frosty) em “Amor”). Diga-se que, com todo o mérito, Todd consegue a seu favor reconstruir uma significante quota da magia reducionista de Manzanita sempre que assume as rédeas da sua música: a hipnótica frescura de “Amor” não passaria despercebida à atenção de Jobim, assim como resulta em sucesso a tentativa étnica da transcendental raga indiana “Shibiku”. Podia a extensão ter-se ficado por um EP de cinco faixas. Por excesso de zelo, comete-se um lapso apenas comparável ao descalabro que se sucederia se algum dia alguém se ocupasse de inundar de progresso e sofisticação rocócó Desertshore, item intemporal que, ao mesmo tempo, era um tratado de gestão de essência por parte da cançonetista Nico e John Cale (que se ocupou da produção e arranjos). Sirva La Ninja de lição ao que possa ainda estar em preparação no estaleiro.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com

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