DISCOS
Erro!
Isto é o Quê, Mãe?
· 18 Mai 2006 · 08:00 ·
Adolfo Luxúria Canibal. Pronto, está dito. Com três palavras apenas se resume parte da construção de Isto é o Quê, Mãe?: spoken Word de João Palma, em pastiche do estilo do vocalista dos Mão Morta. A ligação é ainda mais óbvia quando a editora do álbum, a Cobra, tem precisamente em Luxúria Canibal um dos seus fundadores (e foi Miguel Pedro o responsável pela produção, mistura e masterização). A imitação pode ser a melhor forma de elogio, mas neste caso é visível a incapacidade de João Palma para chegar perto da coesão do estilo urbano-decadentista-do-quotidiano de Canibal. A título de exemplo, aqui fica uma amostra da semelhança de imaginários: “Ou então ficar em casa / Deitado no sofá / A olhar para um ponto fixo no tecto / Horas seguidas”, ouve-se em “Vai”, primeiro single de Erro!; em “Tu disseste”, dos Mão Morta, há o seguinte verso: “Eu disse: ‘Eu não faço nada. Fico horas a olhar para uma mancha na parede’”. O facto de João Palma preferir o dizer ao cantar é uma espécie de defesa, porque o músico não é portador de uma voz com grandes capacidades (demonstra mesmo alguma timidez), mas o resultado não é o mais feliz.
É pena a colagem a nível lírico e vocal a Adolfo Luxúria Canibal, porque no disco há um par de boas ideias instrumentais: “Vai” é um bom exemplo, com uma guitarra suja a servir de tapete para os diversos condimentos arquitectados no computador de Palma, bem como “16:42”, movida por um baixo pulsante e um ritmo agitado, com incursões de guitarra distorcida. Mesmo “Chapéu Amarelo” (começa em registo de conto infantil), com um belo rendilhado de guitarra, e “Despedida” – faixa que, embora dominada pela guitarra, tem uma linha de sintetizador que não esconde ideias dos anos 80 (Palma esteve numa série de bandas da cena pop/alternativa portuguesa, entre meados de 80 e meados de 90, como Ocaso Épico, Zao Ten, Profilaxia e Feijão Freud) – têm bons momentos. E em “Fado” parece haver uma reflexão sobre o Portugal actual, um momento mais “realista”, numa fuga ao “estilo Canibal”. Porém, a receita ao longo do disco vai-se repetindo e atingindo uma certa monotonia: baixo e bateria nervosos, guitarras com efeitos a formar a harmonia e depois vários elementos electrónicos a encher as músicas.
Fica a ideia de que não foi explorada toda a riqueza em termos de inventividade que permite um projecto exploratório, sem grandes ambições e sem restrições estilísticas. Isto é o Quê, Mãe? é um trabalho caseiro de João Palma, construído usando como base um computador e software gratuito, como o Buzz e o n-Track Studio (a designação “Erro!” vem das mensagens de erro dos programas que o músico utilizou). O trabalho é por isso solitário e introspectivo, mas não se notam aqui as virtudes que os projectos a solo com recurso à electrónica costumam ter, em termos de liberdade criativa, notando-se a espaços uma frieza incomodativa. Poderiam ter sido exploradas outras linguagens, como, por exemplo, fez o projecto caseiro brasileiro input_output, que também pôs um guitarrista a experimentar novos sons no seu computador. Se há algo nas programações de João Palma que até nos fazem bater o pé, também é verdade que faltam elementos desafiem e provoquem um sobressalto. O disco termina com um monólogo do que será, muito provavelmente, o filho de João Palma, em que este diz “isto é o quê, mãe?”. Nota-se o carinho e empenho do músico no seu trabalho a solo, e por isso mesmo talvez se peça mais emoção e menos frieza num próximo registo.
João Pedro BarrosÉ pena a colagem a nível lírico e vocal a Adolfo Luxúria Canibal, porque no disco há um par de boas ideias instrumentais: “Vai” é um bom exemplo, com uma guitarra suja a servir de tapete para os diversos condimentos arquitectados no computador de Palma, bem como “16:42”, movida por um baixo pulsante e um ritmo agitado, com incursões de guitarra distorcida. Mesmo “Chapéu Amarelo” (começa em registo de conto infantil), com um belo rendilhado de guitarra, e “Despedida” – faixa que, embora dominada pela guitarra, tem uma linha de sintetizador que não esconde ideias dos anos 80 (Palma esteve numa série de bandas da cena pop/alternativa portuguesa, entre meados de 80 e meados de 90, como Ocaso Épico, Zao Ten, Profilaxia e Feijão Freud) – têm bons momentos. E em “Fado” parece haver uma reflexão sobre o Portugal actual, um momento mais “realista”, numa fuga ao “estilo Canibal”. Porém, a receita ao longo do disco vai-se repetindo e atingindo uma certa monotonia: baixo e bateria nervosos, guitarras com efeitos a formar a harmonia e depois vários elementos electrónicos a encher as músicas.
Fica a ideia de que não foi explorada toda a riqueza em termos de inventividade que permite um projecto exploratório, sem grandes ambições e sem restrições estilísticas. Isto é o Quê, Mãe? é um trabalho caseiro de João Palma, construído usando como base um computador e software gratuito, como o Buzz e o n-Track Studio (a designação “Erro!” vem das mensagens de erro dos programas que o músico utilizou). O trabalho é por isso solitário e introspectivo, mas não se notam aqui as virtudes que os projectos a solo com recurso à electrónica costumam ter, em termos de liberdade criativa, notando-se a espaços uma frieza incomodativa. Poderiam ter sido exploradas outras linguagens, como, por exemplo, fez o projecto caseiro brasileiro input_output, que também pôs um guitarrista a experimentar novos sons no seu computador. Se há algo nas programações de João Palma que até nos fazem bater o pé, também é verdade que faltam elementos desafiem e provoquem um sobressalto. O disco termina com um monólogo do que será, muito provavelmente, o filho de João Palma, em que este diz “isto é o quê, mãe?”. Nota-se o carinho e empenho do músico no seu trabalho a solo, e por isso mesmo talvez se peça mais emoção e menos frieza num próximo registo.
joaopedrobarros@bodyspace.net
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