DISCOS
The Mae Shi / Rapider than Horsepower
Do Not Ignore the Potential
· 28 Abr 2006 · 08:00 ·
The Mae Shi / Rapider than Horsepower
Do Not Ignore the Potential
2006
SAF Records


Sítios oficiais:
- The Mae Shi / Rapider than Horsepower
- SAF Records
The Mae Shi / Rapider than Horsepower
Do Not Ignore the Potential
2006
SAF Records


Sítios oficiais:
- The Mae Shi / Rapider than Horsepower
- SAF Records
Encontra-se sobrepovoado de maníacos e bastardos o andar 7 ½ que dá acesso à mente de Steve-O – o mais imbecil dos membros da turma Jackass que, entre outras proezas, tratou usar alforrecas venenosas como touca para o cabelo, inalar mostarda e submeter as nádegas a um agrafador. Em fila atabalhoada, desalinham-se rumo ao portal mental os membros dos Mae Shi – ameaça spazz que tem vindo a lançar material ao ritmo da reprodução das baratas – e uns bem mais modestos Rapid than Horsepower, que aproveitam o balanço que havia obtido há pouco tempo o incisivo Terrorbird do colectivo a que se aliam neste split. Torna-se legitimo actualizar a banda-sonora à existência distorcida de Steve-O e, no lugar dos Misfits e Dickies, colocar os Mae Shi e os Rapid than Horsepower.

Antes de mais, uma breve achega à cada vez mais presente fixação animal do underground: abundam em Do Not Ignore the Potential tigres ferozes, ursos perdidos em interrogações, a impressão de que as garagens artilhadas de instrumentos baratos e roufenhos são os novos zoológicos norte-americanos. Sobra omnipresente– e isto repete-se vezes sem conta – a sensação de que tudo isto pode representar as primeiras notas musicais de uma fanfarra que anuncie, em jeito fantasioso, a soberania dos símios sobre o poder republicano. Tal como já havia acontecido na era Reagan, tem-se revelado gratificante acompanhar os passos frenéticos à contra-cultura durante os anos Bush. Neste caso, a um spazz-rock vergado sobre o seu próprio autismo. A realidade dominada por mamíferos de grande porte, tal como projectada por Terry Gilliam em 12 Macacos, não parece, de facto, tão distante quando todas estas bandas já parecem viver num evasivo plano virtual onde interessa muito mais a pontuação e vidas armazenadas num jogo de Pac-Man que o oxigénio disponível.

Escuta-se isso mesmo à decadência circunscrita a uma vida suburbana no atómico “Nickel Parade” dos Mae Shi, onde as labaredas de um frenesim religioso serenam à medida que se sobrepõe um miolo rítmico medonho e sobranceiro. O presente momento encontra os Mae Shi enclausurados em câmara de zinco fervente e como se vidrados pela variedade de capacidades que se podem extrair a gadgets que parecem fabricados na Ásia profunda (teclados e caixas rítmicas limitados a uma baixa-fidelidade 8-bit). Diz-se por aí que são praticantes de um hiper gospel subterrâneo que progride como um peão sobre um tabuleiro de Monopólio intelectual: percorrendo galerias de arte, livrarias e quartos privados. Independentemente da táctica assumida, vislumbra-se aos Mae Shi um carisma e convicção Jedis que podem servir como argumentos à partilha do estandarte da diversificação spazz que transportam os Need New Body. A avalanche múltipla de “Heartbeeps” – exercício em permanente construção no percurso da banda – é de tal forma imprevisível que se torna impossível qualquer descrição que resulte num “retrato robô” que auxilie na identificação da artilharia Mae Shi.

Forçassem uma companhia de mimos a jogar à cabra-cega no campo de minas e é natural que cada ronda desse sádico jogo se assemelhasse a grande parte das faixas que os Rapider than Horsepower contribuem para o Split. Pegue-se na metade dos mimos que sobram à carnificina inicial e é vê-los marchar alucinados ao longo da ponte sobre o Rio Kwai em “The Real Party”, com direito a ferrinhos, assobio simulado e um cruzamento de guitarras que podia pertencer a uns Built to Spill a caminhar sobre brasas. O último dos mimos ainda é obrigado a afoitar-se ao cilindrar repetido de um refrão que deixa o disco em narrativa aberta: Slow Motion and Decent / Fast Forward and Repeat. Indubitavelmente contagiante. Empate por K.O. técnico de parte a parte. Apesar de notoriamente menos dados a manifestos de excentricidade, os RTH agruparam uma metade mais coesa e capaz de representar por si um apreciável EP. Essa segunda metade do vegetal fluorescente – a que não se deve realmente ignorar o potencial – percorre-se como uma partida de “Lemmings” onde o objectivo é fazer chegar a normalidade a porto-salvo sem que um sopro violento a derrube. O maior gozo a sorver ao split incide no suspense que implica percorrer um zoológico sem gradeamentos, onde os animais estão atordoados por uma dieta imprópria em químicos.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com

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