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About
Bongo
· 04 Abr 2006 · 08:00 ·
About
Bongo
2006
Cock Rock Disco


Sítios oficiais:
- About
- Cock Rock Disco
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Bongo
2006
Cock Rock Disco


Sítios oficiais:
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- Cock Rock Disco
Talvez porque me penitenciarei com a escuta repetida de Bongo durante o tempo que tomará a escrita desta resenha, é bem provável que não chegue a articular mais que três frases com algum sentido. Nem tão pouco me parece que venha a presentear a miscelânea em causa com um parecer definitivo. Isto porque descobrir um fio condutor Bongo assume-se como tarefa tão árdua quanto tentar quebrar um recorde de peças de dominó alinhadas, no caso destas se encontrarem sob a vigilância do sopro furioso do Adamastor. A lógica é um valor insustentável no micro-universo About. O pacto com Bongo passa pela disposição de cada um em perder tempo útil na senda de fichas de carrinhos de choque entre uma imensa pilha de roupa interior, que gente reputada como Beck, Gonzales ou Jimmy Tamborello (abertamente decalcado, aqui como um pouco por toda a parte) já conduziu à lavandaria há algum tempo. About regozija-se no ampliar das nódoas que sobraram a esse amontoado de roupa suja.

A autoria de tal façanha não termina solteira e é Rutger Hoedemaekers - músico sedeado em Amesterdão - que, em primeira instância, responde pelo descalabro que ganha dimensão em Bongo. Diz-se que convidou para a sua feitura alguns amigos (entre os quais, um mais presente Marg Van Eenbergen). O senhor é grande no México, mas também os Babasónicos o são. Como abrigo editorial para o seu debute conta com o mecenato da Cock Rock Disco – obscura label norte-americana que se afirma adepta do espírito liberal surgido com o final da década de 70 (que, de resto, trata de enaltecer no aspecto porno-psicadélico – tingido de “technicolor” - da sua página). Como explicação para o título deste seu labour of love, Rutger afirmou, em entrevista, ser um termo atribuído pelos ciganos aos surdos. Ficamos a saber que, mais que isso, será uma prescrição subtil dirigida a quem estime a estabilidade mental.

Isto porque Bongo é incessante no asco que provoca. Pese embora o descabimento catchy da granada de fuzz digital que faz soar a largada a Bongo, há algo naquele ataque pneumático - a servir de núcleo a "Think Niles Drink" - que aponta directamente para o terrorismo dos momentos mais marcantes dos Lightning Bolt. Nem que seja por isso, Bongo alcança os escassos pontos que lhe estão reservados. Muito esforçadamente, ""Friends applaud the comedy is over" – surgido em fase avançada – consegue colocar uma rude réplica de Daniel (son Famile) Smith a bordo de uma gôndola arquitectada por uma réplica ainda mais tosca de uma qualquer Brass Band em processo de adaptação a linha indie. Logo de seguida e com o descaramento de quem já não tem nada a perder, "You got it and a sit" podia até uma demo descartada a umas sessões que encontrassem os Postal Service empenhados em escrever temas para uma versão soft-core da série O.C. - Na terra dos ricos. Incomodativo é pensar que o resultado de improvável bizarria consegue ser mais grotesco (e incomodativa) que a ideia de ver os Cohen entregues a um hedonismo puro. Louve-se, em todo o caso, a auto-referencialidade de "Boo (Hoo)", cujo título serve ao seu pseudo-experimentalismo de nariz premido sobre updates de Cool Edit Pro.

Bongo enche o peito de um hélio reciclado a discos em liquidação e, assim que o exala para se afirmar como pavão da diversidade, descobre-se-lhe uma anatomia de ornitorrinco, que, para todos os efeitos, é causadora de embaraço (a piromania ultra-lúdica da faixa que o encerra obriga à reavaliação do espaço vago na dispensa). E daí pode até ser este disco que, para conhecer um sentido prático, exija contexto e espaço ideais. Por enquanto, é utópico sequer alimentar esperanças de que haja perspectiva respeitável para abordá-lo. A Easyjet promove preços apetecíveis para viagens até Amesterdão. Entre o segundo e terceiro parágrafo, tomei algum tempo para reservar lugar num próximo voo a esta rodela prateada. Espero que, por lá, encontre um Bongo para acasalar.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com

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