DISCOS
Loose Fur
Born Again in the USA
· 18 Mar 2006 · 08:00 ·
Loose Fur
Born Again in the USA
2006
Drag City / AnAnAnA
Sítios oficiais:
- Loose Fur
- Drag City
- AnAnAnA
Born Again in the USA
2006
Drag City / AnAnAnA
Sítios oficiais:
- Loose Fur
- Drag City
- AnAnAnA
Loose Fur
Born Again in the USA
2006
Drag City / AnAnAnA
Sítios oficiais:
- Loose Fur
- Drag City
- AnAnAnA
Born Again in the USA
2006
Drag City / AnAnAnA
Sítios oficiais:
- Loose Fur
- Drag City
- AnAnAnA
Deus desceu à terra - num dia qualquer - e foi parar a Chicago. Disse a Jim O'Rourke (superprodutor, laptopper ocasional - a solo ou em supergrupo com Pita e Fennesz -, compositor - já compôs para o Kronos Quartet -, ex-membro dos Sonic Youth e cançonetista a solo, para além de óptimo herdeiro da guitarra de John Fahey de vez em quando), Glenn Kotche (baterista dos Wilco e a solo) e Jeff Tweedy (o eterno líder dos Wilco, ex-Uncle Tupelo) para deixarem de lado os experimentalismos de Loose Fur, o primeiro disco do supergrupo Loose Fur, e lançarem um disco de canções sobre Ele - ou relacionadas com Ele -, mais curtas, incisivas e directas.
As dissonâncias (que existiam dentro das próprias partes "canção" das canções) e as partes mais livres são relegadas para segundo plano, e o que fica são as canções. Há dois escritores de canções aqui. Um deles é excelente e o outro é muito bom. De um lado, Jeff Tweedy, do outro, Jim O'Rourke.E funcionam bem juntos. Não só como dupla de produtor/líder da banda nos últimos dois discos dos Wilco, Yankee Hotel Foxtrot (uma das grandes obras-primas do novo milénio) e A Ghost is Born, mas também como membros da mesma banda, como prova este Born Again in the USA. "Apostolic" é prova disso mesmo, sendo uma parceria entre os dois, tendo a letra sido escrita por ambos. Tweedy canta e O'Rourke acompanha-o, em falsete. Há guitarra aos ziguezagues e a bateria portentosa de Kotche - que não se impõe demasiado, sabendo dar aos temas aquilo de que precisam, sabendo ser simples e complexo de acordo com o contexto, ora musculado, ora silencioso, muitas vezes dentro da mesma canção (é interessante a metáfora que surge numa das fotografias para a imprensa do grupo, em que Kotche segura em O'Rourke e Tweedy pelas suas camisas, sendo a espinha dorsal da união entre os dois) -, com cowbell a marcar o tempo. “The apostolic life is the life for me”, vindo de alguém que um dia cantou “Theologians, they don’t know nothin’ ‘bout my soul” (“Theologians”, de A Ghost is Born), pode parecer um pouco estranho. Mas isso só deve mostrar que as palavras de Born Again in the USA não são para levar à letra. Pode também querer dizer que este é um disco sobre a excessiva evangelização do país desta gente, e até pode ser visto como uma crítica. “You shall have no other god but me”, em “Thou Shall Wilt”, de O’Rourke, exemplifica bem isto. Os americanos estão certos e o resto do mundo está errado. Quem não está com eles está contra eles. É tudo assim.
Esta faceta cómica do disco está patente na sua embalagem. Há mulheres em trajes menores, agachadas e não só, nos desenhos da capa e do próprio CD e há fotografias de cada membro da banda e dos instrumentos que tocaram (sempre as mesmas fotografias) no livrete que o acompanha. Assim, ficamos a saber que em cada tema de Jeff Tweedy foi Jim O’Rourke que tocou baixo, que microfone é que foi utilizado, que Tweedy tocou guitarra de 12 cordas em “Answers to Your Questions”, quem é que tocou harmónica, que guitarra foi usada, tudo em fotografias. Para além disso, as fotografias dos membros parecem ter sido tiradas quando estes acordaram, de tão grotescas que são. Isto só sublinha a necessidade de não levar esta coisa toda demasiado a sério.
Há, em Born Again in the USA, espaço para tudo. Aprendendo com o rock progressivo, as estruturas das canções envolvem sempre momentos instrumentais que não se revelam demasiado longos e que, ao contrário do que era o caso em Loose Fur, não envolvem muita improvisação nem, na maior parte dos casos, elementos abrasivos, ou com demasiada distorção ou com linhas de guitarra pouco melódicas, mas sempre com os elementos convencionais do baixo e da bateria por baixo. Aqui há pouco disso, as canções são mais curtas, há uma economia dos momentos instrumentais que faz com que estes sejam utilizados da melhor forma, mais ponderados e interessantes. Não que Loose Fur não fosse interessante, é apenas diferente.
Na edição de Março da revista Wire, comparava-se Born Again in the USA às recentes divagações progressivas do ex-Pavement Stephen Malkmus com os Jicks. Isto faz todo o sentido, mesmo que não faça dizer que só em 2009 é que compreenderemos o disco. É um rock progressivo redux, sem momentos de pouco bom gosto, com ênfase nas canções, com pouca pompa mas com muita substância. Para além de não soar ao primeiro disco, isto não chega a soar nem a Wilco nem a Jim O'Rourke a solo (o Jim O'Rourke de Eureka e Insignificance, apesar de a sua guitarra acústica remeter sempre para o seu Bad Timing, que foi o disco que fez com que Tweedy se "apaixonasse" pela música de O'Rourke). Soa a Loose Fur. E, na verdade, é isso que devia ser exigido de todos os supergrupos, que trancendessem a sua condição de sucedâneos.
Há rock'n'roll puro e duro em "Hey Chicken", uma das canções mais directas, cujo vídeo tem Power Rangers, ninguém sabe bem porquê, há folk em "Answers to Your Questions", que prova que é uma injustiça tremenda não mencionar o nome de Jim O'Rourke ao lado de Jack Rose, Ben Chasney ou Steffen Basho-Jungans como explorador exímio da guitarra acústica e discípulo de John Fahey, há power pop em quase todo o lado, através dos riffs de guitarra de Jeff Tweedy, sempre bem adornados pela bateria multicolor de Glenn Kotche, que toca também metalofones e outras percussões. "An Ecumenical Matter", um instrumental, com o seu vibrafone e a melodia de guitarra lembra a Chicago dos Tortoise, pelo menos até entrar o piano e a segunda guitarra, e se ignorarmos a bateria, o que faz sentido, já que os Loose Fur são de lá e a "cena" de Chicago é dada a este tipo de promiscuidades.
"Thou Shalt Wilt" é Jim O'Rourke a brincar ao piano tipicamente Tin Palley Alley (reminiscente dos Wilco de A Ghost is Born), com uma parte final que "You shall have no other god than me", mostrando que, agora que está livre das suas obrigações com os Sonic Youth, podia muito bem juntar-se aos Wilco. Talvez funcionasse. Talvez não.
Não interessa. O que interessa é que Born Again in the USA revela os Loose Fur cada vez mais como uma banda e não apenas um projecto paralelo, algo feito numa só noite, há uns anos, durante a gravação do disco da banda importante de dois dos membros, produzida pelo outro membro. É também um dos primeiros grandes discos do ano. Do pára-arranca de “Pretty Sparks” à percussão suave e pouco impositiva de “Answers to Your Questions” (que lembra uma mistura de “Radio Cure” dos Wilco com temas de Bad Timing de O’Rourke), Born Again in the USA é um triunfo, um disco económico nos seus quase 38 minutos, mas com tudo aquilo que de bom os três membros têm para oferecer. Curto e directo, Born Again in the USA é um disco sobre Deus. Sobre a América e Deus. Mas não é preciso ser amigo Dele para gostar dele. Não contem a ninguém, mas muito provavelmente os Loose Fur também não são amigos Dele. E, no final de contas, isto não é para levar lá muito a sério.
Rodrigo NogueiraAs dissonâncias (que existiam dentro das próprias partes "canção" das canções) e as partes mais livres são relegadas para segundo plano, e o que fica são as canções. Há dois escritores de canções aqui. Um deles é excelente e o outro é muito bom. De um lado, Jeff Tweedy, do outro, Jim O'Rourke.E funcionam bem juntos. Não só como dupla de produtor/líder da banda nos últimos dois discos dos Wilco, Yankee Hotel Foxtrot (uma das grandes obras-primas do novo milénio) e A Ghost is Born, mas também como membros da mesma banda, como prova este Born Again in the USA. "Apostolic" é prova disso mesmo, sendo uma parceria entre os dois, tendo a letra sido escrita por ambos. Tweedy canta e O'Rourke acompanha-o, em falsete. Há guitarra aos ziguezagues e a bateria portentosa de Kotche - que não se impõe demasiado, sabendo dar aos temas aquilo de que precisam, sabendo ser simples e complexo de acordo com o contexto, ora musculado, ora silencioso, muitas vezes dentro da mesma canção (é interessante a metáfora que surge numa das fotografias para a imprensa do grupo, em que Kotche segura em O'Rourke e Tweedy pelas suas camisas, sendo a espinha dorsal da união entre os dois) -, com cowbell a marcar o tempo. “The apostolic life is the life for me”, vindo de alguém que um dia cantou “Theologians, they don’t know nothin’ ‘bout my soul” (“Theologians”, de A Ghost is Born), pode parecer um pouco estranho. Mas isso só deve mostrar que as palavras de Born Again in the USA não são para levar à letra. Pode também querer dizer que este é um disco sobre a excessiva evangelização do país desta gente, e até pode ser visto como uma crítica. “You shall have no other god but me”, em “Thou Shall Wilt”, de O’Rourke, exemplifica bem isto. Os americanos estão certos e o resto do mundo está errado. Quem não está com eles está contra eles. É tudo assim.
Esta faceta cómica do disco está patente na sua embalagem. Há mulheres em trajes menores, agachadas e não só, nos desenhos da capa e do próprio CD e há fotografias de cada membro da banda e dos instrumentos que tocaram (sempre as mesmas fotografias) no livrete que o acompanha. Assim, ficamos a saber que em cada tema de Jeff Tweedy foi Jim O’Rourke que tocou baixo, que microfone é que foi utilizado, que Tweedy tocou guitarra de 12 cordas em “Answers to Your Questions”, quem é que tocou harmónica, que guitarra foi usada, tudo em fotografias. Para além disso, as fotografias dos membros parecem ter sido tiradas quando estes acordaram, de tão grotescas que são. Isto só sublinha a necessidade de não levar esta coisa toda demasiado a sério.
Há, em Born Again in the USA, espaço para tudo. Aprendendo com o rock progressivo, as estruturas das canções envolvem sempre momentos instrumentais que não se revelam demasiado longos e que, ao contrário do que era o caso em Loose Fur, não envolvem muita improvisação nem, na maior parte dos casos, elementos abrasivos, ou com demasiada distorção ou com linhas de guitarra pouco melódicas, mas sempre com os elementos convencionais do baixo e da bateria por baixo. Aqui há pouco disso, as canções são mais curtas, há uma economia dos momentos instrumentais que faz com que estes sejam utilizados da melhor forma, mais ponderados e interessantes. Não que Loose Fur não fosse interessante, é apenas diferente.
Na edição de Março da revista Wire, comparava-se Born Again in the USA às recentes divagações progressivas do ex-Pavement Stephen Malkmus com os Jicks. Isto faz todo o sentido, mesmo que não faça dizer que só em 2009 é que compreenderemos o disco. É um rock progressivo redux, sem momentos de pouco bom gosto, com ênfase nas canções, com pouca pompa mas com muita substância. Para além de não soar ao primeiro disco, isto não chega a soar nem a Wilco nem a Jim O'Rourke a solo (o Jim O'Rourke de Eureka e Insignificance, apesar de a sua guitarra acústica remeter sempre para o seu Bad Timing, que foi o disco que fez com que Tweedy se "apaixonasse" pela música de O'Rourke). Soa a Loose Fur. E, na verdade, é isso que devia ser exigido de todos os supergrupos, que trancendessem a sua condição de sucedâneos.
Há rock'n'roll puro e duro em "Hey Chicken", uma das canções mais directas, cujo vídeo tem Power Rangers, ninguém sabe bem porquê, há folk em "Answers to Your Questions", que prova que é uma injustiça tremenda não mencionar o nome de Jim O'Rourke ao lado de Jack Rose, Ben Chasney ou Steffen Basho-Jungans como explorador exímio da guitarra acústica e discípulo de John Fahey, há power pop em quase todo o lado, através dos riffs de guitarra de Jeff Tweedy, sempre bem adornados pela bateria multicolor de Glenn Kotche, que toca também metalofones e outras percussões. "An Ecumenical Matter", um instrumental, com o seu vibrafone e a melodia de guitarra lembra a Chicago dos Tortoise, pelo menos até entrar o piano e a segunda guitarra, e se ignorarmos a bateria, o que faz sentido, já que os Loose Fur são de lá e a "cena" de Chicago é dada a este tipo de promiscuidades.
"Thou Shalt Wilt" é Jim O'Rourke a brincar ao piano tipicamente Tin Palley Alley (reminiscente dos Wilco de A Ghost is Born), com uma parte final que "You shall have no other god than me", mostrando que, agora que está livre das suas obrigações com os Sonic Youth, podia muito bem juntar-se aos Wilco. Talvez funcionasse. Talvez não.
Não interessa. O que interessa é que Born Again in the USA revela os Loose Fur cada vez mais como uma banda e não apenas um projecto paralelo, algo feito numa só noite, há uns anos, durante a gravação do disco da banda importante de dois dos membros, produzida pelo outro membro. É também um dos primeiros grandes discos do ano. Do pára-arranca de “Pretty Sparks” à percussão suave e pouco impositiva de “Answers to Your Questions” (que lembra uma mistura de “Radio Cure” dos Wilco com temas de Bad Timing de O’Rourke), Born Again in the USA é um triunfo, um disco económico nos seus quase 38 minutos, mas com tudo aquilo que de bom os três membros têm para oferecer. Curto e directo, Born Again in the USA é um disco sobre Deus. Sobre a América e Deus. Mas não é preciso ser amigo Dele para gostar dele. Não contem a ninguém, mas muito provavelmente os Loose Fur também não são amigos Dele. E, no final de contas, isto não é para levar lá muito a sério.
rodrigo.nogueira@bodyspace.net
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