DISCOS
L.D. & the New Criticism
Tragic Realism
· 23 Fev 2006 · 08:00 ·
L.D. & the New Criticism
Tragic Realism
2005
Acuarela / Popstock!


Sítios oficiais:
- L.D. & the New Criticism
- Acuarela
- Popstock!
L.D. & the New Criticism
Tragic Realism
2005
Acuarela / Popstock!


Sítios oficiais:
- L.D. & the New Criticism
- Acuarela
- Popstock!
L.D. Beghtol é um rapazinho simpático. Provavelmente, reza todas as noites, sorri para tudo e todos… o que não nos dizem é que provavelmente, reza todas as noites para que alguém morra, e logo a seguir a sorrir, manda as pessoas à merda. É assim, o rapaz. Tem uma barba enorme, óculos, e uma voz a cantar que não podia ser mais irónica ou desprovida de humanidade, talvez. Ao contrário de milhares de cantores-compositores que para aí andam, a queixar-se das gajas que não lhes ligam e o caraças, Beghtol faz algo sobre isso: escreve canções a desejar que elas morram. Porque é esse tipo de pessoa. Não gostaria, nunca, de me meter com ele. Porque, convenhamos: L.D. Beghtol é um gajo fodido. Fodido.

Beghtol tem nos L.D. & the New Criticism a sua nova banda, para além dos Flare e dos Moth Wranglers, e tem em Tragic Realism um musical completo. A sério, adorava que alguém transformasse isto num musical, com história e com uma peça. E não é só pela instrumentação maioritariamente acústica (só em “Unpaid Endorsement” é que há uma guitarra eléctrica com algum protagonismo), nem só pelas roupas que a banda ostenta no booklet, é também pelas melodias e pelas canções quase Tin Pan Alley (sendo o melhor exemplo a última faixa sem nome). Só que a música é bem menos jazzy as letras distanciam-se daquelas de Cole Porter ou de George Gershwin na medida em que, bem, julguem por vocês mesmos… na primeira faixa de Tragic Realism, “Elegy for an Ex”, Beghtol canta: “I wouldn’t cry if you were run over by a train, but I just might laugh if the train cut you in half”. E tudo isto com a distância emocional de quem está a dizer uma banalidade qualquer.

Desde os sons a imitar comboios de “Elegy for na Ex”, e ao longo de 40 e poucos minutos, Beghtol diz mal de tudo e todos, manda todos à merda, goza com lugares-comuns, como em “Always the Last to Know”, um tema vagamente reminiscente de “Be My Baby”, das Ronettes, mas muito mais rural (apesar de vir de Nova Iorque), em que troça da sua outra metade por estar sempre a tentar relacionar os sentimentos e acontecimentos com o pensamento de filósofos, acusando-a de não conseguir perceber que a vida não é uma teoria, que a vida é para viver, ou como em “Apathy!”, o mais perfeito retrato do “loser” dos últimos anos, que acaba com o/a protagonista (a quem se dirige a canção) numa banheira a cortar os pulsos porque não se lembra da última vez que foi beijado/a. Esse refrão de “Apathy”, em que a palavra é cantada – pela bela voz de Beghtol – até à exaustão, seguida por uma melodia de acordeão, violino e banjo óptima, é dos melhores momentos do disco. Aliás, toda a canção é dos melhores momentos do disco. Troça-se do destinatário por querer escrever canções como Stephen Merritt (Beghtol foi um dos vocalistas convidados de 69 Love Songs dos Magnetic Fields), por dizer mil vezes por dia “I don’t care / I don’t care / I don’t care / I don’t care anymore – and furthermore I don’t care that I don’t care” e por ser uma pessoa patética que tem pena dela própria.

É aí que está a chave deste disco, Beghtol prefere troçar dos outros, da sensibilidade deles, dos problemas da Barbie e do Ken (“Trouble in Toyland”), ou do que quer que seja, do que dar-se ao luxo de sentir pena de si próprio. Não há cá quaisquer vestígios de pena própria ou de falta de auto-estima, e isso poderá, porventura, ser uma forma de mascarar esses sentimentos. Mas não interessa. Desde que existam frases como “You never wanted much – just Morrissey, tea and sympathy” (em “Definitive V2”, uma quase balada sentimental, se esquecermos a letra), algo que epitomiza todas as depressões injustificadas adolescentes (e pós-adolescentes) de uma forma tremendamente eficaz, nada disso interessa. A mesma troça dos lugares-comuns depressivos aparece em “I’ve Got One Foot in the Grave and the Other on the Dance Floor”, em que a dor-de-corno é gozada de uma forma dançável, como acontece em todo o disco, só que sem qualquer faceta electrónica, como existia dos Magnetic Fields e sempre com instrumentação acústica. É uma dança country, sem jazz, sem elementos modernos, é em tudo rural, mas, e não devemos esquecer, vem de Nova Iorque. Em “Burn, Burn, Burn in Hell”, Beghtol fala primeiro, antes de começar a música (só com um órgão atrás): “Sometimes, no matter how much you love someone, you know that deep inside they’re bad. And sooner or later – especially if they don’t love you back – they’ll have to pay”. Logo depois, segue para numa canção que poderia aparecer num musical qualquer, numa cena num bar (desculpem, deve ler-se “taberna”) em que toda a gente começa a cantar “Now you will rot, rot, rot in jail / I hope the guys there treat you well”. Haverá algo mais eficaz no esquecimento de alguém amado do que desejar que este/a “will burn, burn, burn in hell!”, dizendo, no final “And I won’t cry for you anymore – No sir!”?

Alguém fez muito mal a L.D. Beghtol, e este diverte-se bastante a vingar-se. Ou então não fez, não é vingança contra ninguém em especial, é apenas cinismo. A melhor parte é que a vingança nunca soou assim tão bem, com melodias e canções tão inspiradas quanto as que existem aqui. Que mais gente se meta com Beghtol, que ele sofra mais, ou que não sofra, que apenas lhe apareça à frente com as parvoíces do costume, para este escrever mais obras destas, musicais modernos que pedem uma residência prolongada na Broadway. Na minha ignorância (não estou a ver mais nada assim), atrevo-me a dizer que Tragic Realism é o melhor disco anti-lamechas de 2005. Sempre com piada (das letras até ao hilariante booklet, com um texto sobre Beghtol), sempre com apelo pop, sempre mordaz. Ao contrário de outros cançonetistas brincalhões – Jonathan Richman, os dois Johns dos They Might Be Giants, ou o Adam “Jonathan Richman de terceira categoria” Green, por exemplo -, Beghtol não se mostra sentimentalóide, ou, quando se mostra, é por demais óbvio que está a gozar. E é essa uma das maiores forças, tanto como escritor de canções, como de instrumentista, escritor de arranjos e cantor.
Rodrigo Nogueira
rodrigo.nogueira@bodyspace.net

Parceiros