DISCOS
Pearls & Brass
The Indian Tower
· 17 Fev 2006 · 08:00 ·
Pearls & Brass
The Indian Tower
2006
Drag City / AnAnAnA


Sítios oficiais:
- Pearls & Brass
- Drag City
- AnAnAnA
Pearls & Brass
The Indian Tower
2006
Drag City / AnAnAnA


Sítios oficiais:
- Pearls & Brass
- Drag City
- AnAnAnA
O stoner realmente eficiente é aquele que, ao cair no charco, não deixa réstia que seja de água límpida para reflectir a sua inicial pretensão – conduzir os sentidos a um plano superior por meio de atordoante angular do rock. Espera-se do stoner que se movimente como o trôpego vilão de um slasher movie clássico: sem a mínima noção da pinha que fará sangrar, mas com a mesma firmeza muscular aplicada no ceifar de cada vítima. Daí que até seja vantajoso que se apresente desprovido de letras complexas ou, quanto muito, verbalizado de forma grotescamente ininteligível (não adianta, de facto, tentar descodificar o balbuciar que Buzz Osbourne rumina nos Melvins). Ao segundo disco, os Pearls & Brass procuram elevar-se alguns níveis acima do lamaçal esverdeado (e seguramente mais solto) do debute. Procuram às alturas um qualquer motivo religioso-espiritual a que se possam agarrar e, sem substância que justifique a façanhice, arriscam cair em esquecimento.

A mania das grandezas – ou das alturas -, que havia já ceifado a liberdade de movimentos ao disco homónimo dos Black Mountain (que conhece abordagem nestas páginas), está denunciada no título, num virtuosismo distribuído de modo deficiente e, sobretudo, numa insustentável vontade de aproximar o disco de um estatuto que jamais podia alcançar – o de tratado arqueológico de rock. Contudo, compreende-se o intuito do título. A Índia não prima exactamente por edifícios de elevada altura. Contrariar a arquitectura horizontal do país com a edificação de uma torre isolada assume-se quase como um statement por parte do trio: além de estarmos acima de solo sagrado, dispomos de vias instrumentais para alcançar o transcendental. Já Jack Kerouac usava a altitude do Big Sur, situado na Califórnia, como escape purificador para o seu personagem Cody (disfarce de Dean Moriarty). É um posicionamento legítimo, atendendo ao ingresso dos P&B na Drag City. Grande parte das bandas representadas no catálogo da label de Chicago podiam até fazer mover as roldanas do mainstream, mas mantêm-se firmes ao serviço da ética Do It Yourself que é como a erva daninha - cresce independente. Falhe todos os outros objectivos, e The Indian Tower pode ainda ser um auto-de-fé indie.

A pulsação ainda anima nos momentos em que Indian Tower arregaça as mangas e estreita a fronteira entre o stoner e uma elegância bluesy inserida pela via sugestiva. Não obstante, tremem como varas verdes as infra-estruturas da torre assim que esta ganha a aparência da jaula enferrujada dos Soundgarden. Nunca escutei mais que 2 a 3 minutos de Days of the New, mas suspeito que os Pearls & Brass soem a uma variante menos formatada desse nome que liderou o último pelotão do grunge. E esse dado em nada contribui para firmar a vontade de dedicar algum tempo à escalada de Indian Tower. Ainda assim, o esforço que possa exigir essa prova de paciência em nada se compara com aquele a que obriga uma distinção detalhada das onze faixas – ficamos sem saber se o espelho que dá título à quinta faixa será um entre os que são abandonados na folky "Away the Mirrors". Telegrama a enviar para Nazareth (residência do trio): omitam as vozes. juntem tudo numa faixa. aprendam com os Sleep.

Descartada a hipótese de vir a habitar na caverna pertencente aos ciclópicos monstros do género, The Indian Tower podia, ainda assim, ver garantida a hipótese de arranhar a palma dos pés àquele que terá sido muito provavelmente um dos mais conseguidos discos conceptuais dos últimos 10 anos de stoner - o magnifico Elephant Riders dos Clutch. Assim seria caso houvesse gerido os seus recursos com outro engenho que não o do lenhador que malha o machado no tronco sem aparentar grande preocupação face ao sentido que tomará a sua queda. Combinar exemplarmente um invólucro arty e a seiva condensada de um rock bestial - que lá está sob casca dura - obrigaria à escritura de um segundo telegrama: salva-me desta saturação Josh Homme. Para ser digno da altivez a que se compromete, bastaria a The Indian Tower uma simplicidade própria das coisas geniais. Qualidade essa que nunca chega sequer a vislumbrar, mesmo quando se encontra em posição privilegiada para isso.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com

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