Era início de verão em Lisboa, apesar do frio da noite. Ali Farka Touré trouxe o seu chapéu de abas largas e o sorriso ainda maior. Havia uma plateia imensa deleitada com a música mágica do senhor do Mali. Quando Toumani Diabaté surgiu no palco do Anfiteatro Keil do Amaral em Monsanto, Ali Farka Touré apresentou, no seu francês delicioso, o convidado tocador de kora como “le professeur�. O dono da noite era Ali e o substantivo por ele escolhido (e repetido) para classificar Diabaté parecia, à maioria do público, exagerado. Mas, apesar de relativamente desconhecido no fora de �frica, Toumani Diabaté é um músico com um largo historial, é considerado mundialmente um dos mais exímios tocadores de kora (uma espécie de harpa especial com 21 cordas), para além da actividade de professor – ao lado de Touré, outro mestre.

In the Heart of the Moon assinala o regresso de ambos os músicos do Mali aos discos após cinco anos de silêncio editorial. E, pela primeira vez, Ali Farka Touré e Toumani Diabaté gravam juntos. Este disco é assim o resultado de um encontro de gigantes em liberdade criativa e sem restrições de maior. A ideia inicial que esteve na base da colaboração era trabalhar numa única faixa, mas para os músicos não chegou e, na cumplicidade partilhada, o projecto inicial transformou-se num disco inteiro. Partindo à aventura e sem ensaios, surgiu uma semi-improvisação conjunta. A estrutura da música é simples, assenta em (poucos) acordes que formam a base melódica, que se repete constantemente e sobre a qual se fantasia, dentro de limites. Seguindo esta fórmula, desenvolve-se um rendilhado encantado sob a forma de uma conversa amena entre dois amigos: a guitarra e a kora.

Longe das bluezadas cobertas de terra a que Ali Farka nos habituou, In the Heart of the Moon afasta-se da sonoridade de Talking Timbuktu (o disco a meias com Ry Cooder) ou do duplo Red & Green (reedição conjunta de dois dos discos mais representativos da alma de �frica, La Drogue e Sidi Gouro). O disco é preenchido com temas originais, com a excepção de três músicas, três temas antigos de Touré que surgem aqui repescados. As vocalizações são raras (apenas em dois temas), sendo o álbum quase um imenso instrumental. Na sombra, a acompanhar esta dupla, surge um grupo de músicos pouco vulgar. Ry Cooder, que gravou com Touré o disco que mostrou o bluesman africano ao mundo, aparece aqui ao piano e guitarra. Sekou Kante e Cachaíto López (membro destacado do Buena Vista Social Club) surgem no baixo, Joachim Cooder e Lekan Babalola tratam da percussão. No entanto a participação destes é quase invisível, as candeias acendem-se em exclusivo para os dois mestres do Mali.

Reunidos, Ali Farka Touré e Toumani Diabaté fazem música enfeitiçada (pela lua, pois claro). A única imperfeição do disco está na sua duração, demasiado longa – 54 minutos. Nas últimas faixas o embalo inicial transforma-se em desprevenida fadiga. Nada como ouvir o disco aos poucos, para evitar a sobre-dosagem. Porque, como acontece com todas as coisas boas, não se deve tomar em excesso.