DISCOS
Yonderboi
Splendid Isolation
· 04 Dez 2005 · 08:00 ·
Yonderboi
Splendid Isolation
2005
Mole


Sítios oficiais:
- Yonderboi
- Mole
Yonderboi
Splendid Isolation
2005
Mole


Sítios oficiais:
- Yonderboi
- Mole
Não existem limites para o absurdo, quando se trata de revitalizar uma carreira artística que estagnou na lama. A afirmação nem sequer se refere a Yonderboi. Por agora, o prodígio terá de aguardar a sua vez de ascender à berlinda, já que “All We Go to Hell”, a fatídica faixa inicial de Splendid Isolation, aponta directamente para a dupla t.A.T.u.. Pode até soar a bizarra a aproximação, mas “All We Go To Hell” simula na perfeição a hipotética música que as t.A.T.u. gravariam para um spot publicitário das bolachas Oreo. Sobressai ao híbrido o apelo universal (que se quer para uma campanha multinacional) de mãos dadas com a pop extravagante de quem, ainda teenager, já consumiu o mundo com voracidade estalinista. Quando nem o super-produtor Trevor Horn conseguiu prolongar o efeito t.A.T.u. além do primeiro disco e beijos mediatizados, eis que Yonderboi aplica o método Oreo e renova a maquilhagem à aptidão da Europa de Leste para a feitura de êxitos sofisticados – prontos a cumprir funções em rádios comerciais, mas inapropriados como agentes da estupidificação. O método Oreo consiste em extrair as partes da bolacha e ir acumulando creme numa só super-bolacha (depois de mergulhar em leite, sabe melhor). Ou seja, Yonderboi isola um condensado de açúcar entre duas balizas absolutamente alheias à relevância de qualquer género absoluto. As t.A.T.u. não andam por perto (o fascínio tratou de imaginá-las), como é óbvio, mas Splendid Isolation recupera depressa do susto que a sua assombração provoca.

A história repete-se e cada vez mais o caso de Beck parece servir de molde genético aos fenómenos que se lhe seguiram. Também Yonderboi resistiu a uma formação clássica, na esperança do dia em que viria a descobrir o hip-hop e, com ele, todo um acervo de substâncias dançáveis prontas a contrariar a boçalidade instaurada pela pequena vila onde morava. Antes de ter garantido o franzir de sobrolho à crítica com o primeiro longa-duração caseiro, Shallow and Profound, Lászlo Fogarasi (o nome de Yonderboi durante o sono) era já uma celebridade na sua Hungria natal. Em tenra idade, conquistou a noite de Budapeste com os seus primeiros singles e, por consequência de uma internacionalização precoce, foi condecorado com a Cruz de Prata da República da Hungria (coisa importante naquelas bandas). Seria legitimo pensar que a honra nacional podia domesticar a rebeldia de Yonderboi. Porém, Splendid Isolation anula por completo essa suspeita, pela forma estilizada como finta a convenção que se tem do músico húngaro que usa o som de beijos repenicados como refrão. Assente sobre uma lanuginosa matriz chill-out (Yonderboi cumpriu a sua maturação em compilações afrodisíacas como Chillin’ at the Playboy Mansion e Erotic Lounge), o disco-sequela locomove-se descomprometidamente por paragens mais ou menos exóticas à velocidade cruzeiro do Barco do Amor.

Ao milhafre, adivinha-se a natureza oportunista do abutre apenas porque descreve no céu os mesmos movimentos circulares. Em vez de o fazer de forma criminosa, Yonderboi deturpa suavemente a sua associação a quem idolatra. Assim acontece com grande parte das referências pilhadas a um estuário efervescente por onde flutua de tudo um pouco. Neste caso, o name dropping é inevitável (e não um acessório). Após alguns anos passados sobre o mais popular dos refrães de Mão Morta, “Amor” faz com que um romantismo cosmopolita suceda ao rock n’ roll como mote para as noites de Budapeste. Dimitri From Paris dá lugar a Yonderboi from Budapeste, para que também ele possa contribuir para alquimia musical da arte de engate. “Eyes For You” só tem mesmo olhos para uma Barbie lasciva, que Yonderboi procura conquistar a todo o custo com a sua fragrância de funk patcholy. A parada prossegue. Filtrados pelo azul eléctrico da arte de Yves Klein, ilustres como !!!, Tosca, New Order (e outras glórias da Factory), Cake (?!?), Dan “The Automator” (em modo Lovage ou Bombay the hardway), Depeche Mode (flagrantemente caçados em “Love Hides”) são apenas alguns dos nomes audíveis ao sussurrar da aveludada trituradora de Yonderboi.

Feitas as contas, e o cenário é quase sempre comparável àquele que Morpheus impôs a Neo no primeiro capítulo da saga Matrix: toma a cápsula azul e acordarás na cama consciente do que entenderes ser melhor para ti, opta pela vermelha e muito em breve ficarás a saber quão profundo é a toca do coelho que dá acesso ao País das Maravilhas. Splendid Isolation limita-se a inverter a função das cores, ao fazer do azulão referencialmente multicolorido o trampolim para o sonho.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com

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