DISCOS
Taylor Deupree + Eisi
Every Still Day
· 30 Nov 2005 · 08:00 ·
Taylor Deupree + Eisi
Every Still Day
2005
Noble


Sítios oficiais:
- Taylor Deupree + Eisi
- Noble
Taylor Deupree + Eisi
Every Still Day
2005
Noble


Sítios oficiais:
- Taylor Deupree + Eisi
- Noble
Lembro-me de jogos de “quarto escuro” sabotados pelo mais habilidoso dos contorcionistas envolvidos na brincadeira. Quando se acendia a luz e faltava alguém, as suspeitas davam por si à procura do fugitivo em gavetas e armários de sapatos. Durante momentos que fossem, o Houdini de palmo e meio deixava de o ser no jogo, para, logo que descoberto, passar à condição de omnipresente entre os desafiados pela perspicácia da proeza. Escutar Every Still Day sem conhecer o perfil ao disco a partir do qual é adaptado - Awaawa dos Eisi – equivale a um jogo de “quarto escuro” partilhado com uma criança enigmática (o puto do Shinning serve) e um amigável fantasma melodioso. Tentar a leitura de um disco derivativo sem noção da matéria-prima que o compõe constituiria sempre um duplo desafio à imaginação. Every Still Day potencia a investigação (e o Poirot musical em cada melómano) nem que seja por conseguir ser, em simultâneo, auto-suficientemente fascinante e praticamente obrigar a descobrir o disco que recupera (Awaawa).

Reza a história que após um primeiro contacto com Awaawa (sétimo lançamento da japonesa Noble), o compositor Taylor Deupree começou a alimentar a ideia de vir a recrear o disco-base em jeito de elegia à sua “beleza, simplicidade e despretensioso experimentalismo” (de acordo com o próprio). Taylor Deupree dispunha do know-how, constante de discos editados em labels como a Sub Rosa, enquanto os entretanto cessantes Eisi mantinham para si a memória do disco a ser reinventado (os rascunhos, as versões ao vivo e tudo o que foi excluído do disco original). Posto isto e atendendo ao cirúrgico uso que faz da matéria outrora excedente, Every Still Day estaria à partida livre de ser associado a um banal disco de remisturas. Taylor Deupree não se contentaria com isso e foi mais longe, edificando um disco capaz de revelar a sua tapeçaria electro-acústica e adivinhar uma graciosa silhueta à banda que resgata a um fim prematuro (perante um cenário abrilhantado por Every Still Day, os Eisi haveriam de se reagrupar).

Após emparelhados os acasos felizes, Every Still Day limita-se a ceder brandamente à sua naturalidade, sem sequer denotar marcas evidentes do compromisso para com o conceito explorado pelo catálogo da Noble: “música para o seu dia-a-dia”. Esse que podia levar a crer que, para surtir efeitos, o disco teria de ser conjugado com práticas domésticas. Não é isso que acontece. Every Still Day convive bem melhor com uma auscultação em modo zen, que facilite a aproximação ao seu micro-esplendor de orquídea. O melhor será reservar as distracções rotineiras para discos como Talkie Walkie dos Air e apostar todos os sentidos na aconchegante guitarra postumamente inserida por Christopher Willits (ele que dita a temperatura) e nos elementos hipnóticos dos Eisi (doutorados em discrição celestial pela universidade 4AD) agora redistribuídos pelo manto onírico idealizado por Taylor Deupree.

Eis o disco que faltava como acessório ao João Pestana que serve os que sonham acordados. A serena elegância estelar de Every Still Day conduz a um sonambulismo onde a temporalidade se dissolve e a aparência estática das coisas passa a segredar fábulas premonitórias de futuros dias com a cabeça enterrada num k-hole (pergunte ao Google ou ao último das CocoRosie). E por breves momentos a espiral sorri como quem convida à hibernação. Passa a fazer mais sentido descobrir este precioso segredo nos meses invernais do ano que timidamente o revelou.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com

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