DISCOS
Albert Ayler
Music Is the Healing Force of the Universe
· 31 Mai 2005 · 08:00 ·
Albert Ayler
Music Is the Healing Force of the Universe
1969
Impulse!


Sítios oficiais:
- Impulse!
Albert Ayler
Music Is the Healing Force of the Universe
1969
Impulse!


Sítios oficiais:
- Impulse!
De Albert Ayler, o herói cuja glória foi resgatada no ano passado com a edição de uma sumptuosa caixa de nove discos, haverá uma infinidade de coisas para contar. Foi uma das figuras incontornáveis do free jazz, ao lado de John Coltrane, Ornette Coleman, Cecil Taylor e Sun Ra e a sua história é tão fascinante quanto trágica.

Com um magnífico rol de gravações, entre as quais se incluem muitos discos unanimemente considerados, Ayler viveu também momentos em que não teve a aprovação da crítica. Especialmente durante a sua última fase, os seus discos foram muito mal amados pelos contemporâneos. E se Spiritual Unity (gravado em trio com Gary Peacock e Sunny Murray) pode ser considerado o momento de aprovação máxima, Music is the Healing Force of the Universe será um dos mais renegados objectos da colecção.

No final da década de 1960 Albert Ayler já havia explorado quase todas as possibilidades do free e sentia que tinha chegado a altura da mudança. Tal como Miles Davis, que na transição da década de ’60 para ’70 fez a sua própria revolução, Ayler reformulou radicalmente o seu som. Com o objectivo provável de tentar alcançar um novo público – roubado às margens do rock, Ayler ajustou o seu som de modo a soar mais pop. Para começar, este disco tem uma voz, a da sua companheira Mary Maria (nome artístico de Mary Parks) - neste disco Mary canta, por vezes, num registo próximo da declamação. Ayler já se tinha aproximado a algo semelhante (no disco Sonny’s Time Now de Sunny Murray, onde o poeta LeRoy Jones declama os seus próprios versos), mas este trabalho é mais pessoal, de certo modo familiar – a influência de Mary Parks no resultado final é evidente. Mais do que propriedade de Ayler, este disco é o resultado do trabalho e das ideias do casal. Esta nova fase começou com o anterior New Grass e teria como último tomo a edição póstuma The Last Album e, tal como estes, este disco intermédio foi incluído na lista de discos proibidos.

No entanto, para além da questão do choque estético, há a música. E neste álbum Albert Ayler toca com a força, poder e espiritualidade que o tornaram numa das mais sentidas, radicais e influentes vozes do saxofone. O tema Music Is the Healing Force of the Universe abre o disco e é o seu cartão de apresentação, a música que melhor sintetiza o disco – o cruzamento entre o sax marcante e a voz a guiar sobre as palavras, um casamento improvável, mas onde as frases ganham ao serem salientadas pela repetição. Island Harvest remete para a religiosidade negra, através da permanente pergunta-resposta: a voz questiona, o sax responde, uma voz (quase infantil) a dar conselhos (quase maternais) ao próprio Ayler – e mais uma vez o saxofone esforça-se por criar um diálogo equilibrado. Masonic Inborn será provavelmente o ponto mais alto do álbum: Ayler atira-se à gaita-de-foles e cria uma fantástica orgia de som - como nas terras altas, bruxas e diabos respondem ao seu chamamento. Drudgery é rock’n’roll puro (evidencia-se um convidado especial: a guitarra dos Canned Heat), a banda marca o ritmo básico e abre alas para o sax descolar. No final o álbum surge algo desequilibrado, uma amálgama de momentos diferentes com poucos pontos comuns - certamente inesperado, inconformado e arriscado.

Obviamente trata-se de um objecto inferior, se analisado a par de outros momentos da carreira de Ayler. Mas agora, com a consciência da época histórica em que insere, é possível apreciar o valor de cada pormenor de um disco que quando surgiu foi um extra-terrestre mas que agora, sem preconceitos, pode ser globalmente compreendido. Porque a música é a força redentora do universo.
Nuno Catarino
nunocatarino@gmail.com

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