DISCOS
Plug
Drum n’ Bass for Papa / Plug EP’s 1, 2 & 3
· 22 Abr 2005 · 08:00 ·
Plug
Drum n’ Bass for Papa / Plug EP’s 1, 2 & 3
1997
Nothing


Sítios oficiais:
- Nothing
Plug
Drum n’ Bass for Papa / Plug EP’s 1, 2 & 3
1997
Nothing


Sítios oficiais:
- Nothing
Não negue à partida uma sonoridade que desconhece, pois muda com os tempos a percepção da mesma. Alturas houve em que, para mim, o drum n’bass servia apenas os propósitos da publicidade institucional e a vontade de operadores de telecomunicações móveis. Entre cores impossíveis e multidões em êxtase manipuladas por computador, lá surgia o jovem de cabelo volumoso e barba de dois dias a exclamar “Drum n’ bass!!”, nem que fosse por serem essas palavras atraentes junto do consumidor-alvo. O carácter artificial desse pseudo-d&b fez com que, durante errantes anos, salvaguardasse uma margem de distância em relação a um género que julgava eu estar entregue a bicharada como os Bomfunk MC’s. A verdade haveria de se impor ao preconceito. Andou por perto com Adventures in Foam (o magnífico duplo assinado pelo alter-ego de Amon Tobin, Cujo), embora só perante a aparição deste Drum n’ Bass for Papa se tenha desdobrado em luz. Foi nesse momento que me converti a essa seita religiosa que já conheceu períodos de fé mais intensos que os vividos actualmente. Mas recordar é viver.

Na esperança de que o novo Papa Bento XVI seja leitor do Bodyspace, decidi trazer até à nossa montra um disco que, tal como o título indica, foi concebido em seu nome (brincadeira). Pode pois esperar Joseph Ratzinger por imponente afronta ao seu conservadorismo. O monumental Drum n’ Bass for Papa é metodologicamente determinado, subversivo, quase dogmático na forma como rectifica as coordenadas do género a que o título se determina. É comum ver o termo “bíblia” associado a portentos incontornáveis como este. Assim seja e a isso sirva de complemento a seguinte certeza: Drum n’ Bass for Papa comporta velho e novo testamentos, a sabedoria e ensinamentos de duas escolas - a da micro-cena de Cornwall (frequentada por Luke “Plug / Wagon Christ” Vibert ao lado do semi-deus Aphex Twin) e a dos clubes londrinos, que tantos talentos conduziu a editoras como a Ninja Tune e Warp. Além de determinante nas vias que proporciona ao drum n’ bass – sempre dependente da evolução através da mutação -, a reedição-dupla lançada pela Nothing (pertença de Trent Reznor) valerá por si só como documento canónico no que à definição do género diz respeito.

Além do disco (originalmente lançado pela Blue Planet), Drum n’ Bass for Papa / Plug EP’s 1, 2 & 3 conta, no segundo disco, com três EPs prévios ao longa-duração. Surpreendentemente e muito por causa da personalizada coesão das suas faixas, não se distinguem qualitativamente os dois discos entre si. Antes complementam-se em encaixe Yin Yang. O próprio Luke Vibert confessou em entrevista que existem por editar dezenas de faixas produzidas à sombra do projecto Plug. Pode-se daí deduzir que o que consta deste duplo pode muito bem ser resultado de material reunido num curto espaço de tempo (tendo também em conta a prolificidade pela qual Luke é conhecido). O facto de Vibert nunca mais ter voltado a invocar a designação de Plug (Amen Andrews anda lá perto) na sua carreira reforça o conteúdo sagrado e intocável das escrituras.

Drum n’ Bass for Papa / Plug EP’s 1, 2 & 3 é, de facto, intocável, até mesmo aos ouvidos de cépticos como eu. Que outro disco conseguiria fazer engrenar a leveza de um episódio d’O Barco do Amor e um encanto orquestral Disney em roldanas rítmicas que atordoam os sentidos da mesma forma que o hardcore mais cru? Só mesmo aquele que, para reduzir a saturação do drum n’ bass, disponha de um arsenal tão diversificado (e esquizofrenicamente saudável) quanto o que aqui jaz armazenado: refrões ragga camuflados, harpas celestiais, loops étnicos (arrancados à cítara no espiritual Make of all) e todo um rol de componentes esotéricas não identificadas. Faz todo o sentido que Plug surja na capa como o ilusionista mandarim que mantém suspensos aros de metal, como se estes representassem as diversas texturas que intercala com o drum n’ bass até ao ponto de se fundirem, e, assim, deixar a vítima sem saber onde começou e onde irá terminar o truque de magia.

Abençoada seja toda a música que possa fazer da rede de Metro de Lisboa um lugar mais apetecível. Não há que temer pela extinção de uma das ramificações mais intermitentes da electrónica, enquanto discos como este permanecerem vivos na memória de músicos no activo (DJ Clever e a sua editora Offshore proporcionam excelentes alternativas actuais). A genialidade também é reciclável. No hipotético dia em que os marcianos solicitarem informação sobre drum n’ bass, deve ser este o disco a ser conduzido até ao OVNI por Beyoncé Knowles.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com

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