DISCOS
Non Phixion
Green
· 21 Fev 2005 · 08:00 ·
Non Phixion
Green
2004
Uncle Howie


Sítios oficiais:
- Non Phixion
- Uncle Howie
Non Phixion
Green
2004
Uncle Howie


Sítios oficiais:
- Non Phixion
- Uncle Howie
Os Non Phixion não se converteram aos ensinamentos do Dalai Lama, não se regem pelas escrituras da Cabala e, até ver, não lhes é conhecida a devoção a Jeová. Talvez por isso, não permitem que os seus palavrões sejam censurados, mantêm as mesmas amizades de bairro sem olharem a crenças e não renegam ao seu passado sexual recente (mesmo que este envolva sexismo assumido). Os quatro Non Phixion são abertamente mundanos: consomem a qualidade em quantidade, apreciam hervanária da melhor colheita (Amsterdão é destino muito bem cotado entre a rapaziada) e pornografia quanto baste. Habitam um limiar do politicamente incorrecto que os torna susceptíveis às mais variadas críticas, mas - e aqui não há argumento que o valha - aparentam uma genuídade hardcore que os destaca de criações a prazo que, tantas vezes, não duram além dos seis meses de uma época de Moda. Green resiste como a ferrugem.

Ao contrário do que se possa julgar (o próprio Allmusic foi induzido em erro), Green não é um disco composto apenas por originais, mas sim um híbrído de faixas até aqui espalhadas por sete polegadas, raridades e aguerridas prestações freestyle gravadas ao vivo em diversas rádios. Dado o seu ecletismo e variedade de registos, Green é xarope para todo o catarro, valente sova de verborreia despachada à moda do Pai Mei (vide Kill Bill).

A garantia oferecida pela turma nova-iorquina é a de servir o maná hip-hop limitado à sua essência (três MC's e um DJ), sem perder demasiado tempo na maquilhagem de estúdio (olá, Pharrell) que sempre favorece o potencial aditivo dos produtos finais. Aqui, a catadupa de "tchk tssc tchk" vê-se abafada pela obesidade imponente dos "pum pum pa ptpum pum pa", a sofisticação laboratorial é peterida em prol da acidez exalada pelos dispositivos de sobrevivência adquiridos durante os anos perdidos com os pés bem assentes no betão e a mente concentrada na rima a usar nos duelos de liceu (ritual focado no longo spot publicitário 8 Mile). Nos dias que correm, a cor de pele já nada legitimiza no meio e os três MC's (de sangue latino e brancos como a cal), apesar de muito afeiçoados a um timbre associável ao Wu-Tang Clan, cantam a polémica sem complexos, sem espinhas e com a convicção de missionários. Tal como o nome indica, vedam a entrada da ficção a um discurso que o proto-rapper Gill Scott-Heron idealizara como impróprio de ser televisionado. Apesar de frequentemente apolítico, Green não deixa de ser um manifesto.

O verde que domina o grafismo é a cor dos camuflados e fardas das tropas, transpostas, neste contexto, para o holocausto urbano. Green é prontamente esclarecedor quanto à temática que o rege: a sobrevivência através da sagacidade verbal, impulsionada pelos loops que DJ Eclipse bombeia em abundância kamikaze. Compreende-se que os Non Phixion martelem na imagem dos quatro soldados que a tudo já resistiram, pois ainda têm bem presentes memórias de armadas que lhes viraram as costas (a Geffen e a Warner Bros. não se deram bem com o conteúdo escaldante das suas rimas) e esquadrões especializados que não os souberam enquadrar na estratégia vigente (a Matador, pouco habituada aos engenhos do hip hop, não soube promovê-los da forma mais adequada). Adquirido o estatuto de "batata quente", os Non Phixion optaram por ser mercenários - condição que lhes permite tomar decisões em nome próprio e absorver sem intermediários as consequências das mesmas. Os quatro de Brooklyn perderam o direito a uma ascensão fulminante, mas ganharam o direito a toda a liberdade que o "do it yourself" garante.

Enquanto mercenários, especializaram-se em ataques líricos com alvos específicos: o CIA e FBI (fixações recorrentes), a Polícia, a ilegalidade generalizada, a indústria musical (o inimigo número 1). Uma mão cheia celebridades são alvejadas no frenesim do ricochete (Eddie Murphy, Dennis Hopper, o baterista de Def Leppard, Peter Fonda e Buffy, a Caçadora de Vampiros, apanham por tabela). À mercê da verdade nuclear sobram apenas as cinzas.

Sobra também uma incógnita que o tempo esclarecerá: que arsenal se esconde na extremidade do rastilho verde? Dinamite de pólvora seca ou armas de destruição maciça? Ficamos na esperança de que o fiasco "Raposa do Deserto" não se repita. Green é um dos melhores discos hip hop que 2004 conheceu.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com

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