DISCOS
V/A
OST The Brown Bunny
· 23 Dez 2004 · 08:00 ·

V/A
OST The Brown Bunny
2004
Tulip Records
Sítios oficiais:
- Tulip Records
OST The Brown Bunny
2004
Tulip Records
Sítios oficiais:
- Tulip Records

V/A
OST The Brown Bunny
2004
Tulip Records
Sítios oficiais:
- Tulip Records
OST The Brown Bunny
2004
Tulip Records
Sítios oficiais:
- Tulip Records
Vincent Gallo é um homem de múltiplas obsessões - aquelas que expõe ao mundo e as que procura reservar para si só. À sua boa maneira, retorque de forma ácida a cada referência que lhe apontam e acumula funções artísticas (pinta, escreve, actua, canta, filma, consome, consome, mata a fome) que explora com maior ou menor sucesso. Gallo só encontra conforto no equipamento musical "vintage" e discos raros que colecciona avidamente. Afirma-se um solitário, mas é frequente encontrá-lo em boa companhia: Christina Ricci, PJ Harvey ou Winona Ryder (palpita-me que muito se terão divertido juntos no Alentejo durante as filmagens d'A Casa dos Espíritos). Porém, o nova-iorquino geralmente cospe no prato que comeu e borra o rosto das suas ex-parceiras nas fotos que acompanham os seus discos. Fica a interrogação: amorosa maldição ou narcísica masturbação? Gallo é um melómano de conhecimentos enciclopédicos e ambos os discos à prova levam a crer que só a música nunca o apunhalou e é a ela que sempre recorre quando angustiado.
A música que compõe ou selecciona serve quase sempre de contraponto à tempestuosa persona que assume no cinema. Buffalo 66 continha uma provocação pouco subliminar: a escolha de Ricci para seu par romântico quando a actriz ainda não era sequer maior de idade. Mas logo a banda-sonora (maioritariamente composta por Gallo) expunha a fragilidade de alguém a quem felicidade sempre surge fugaz e tingida de tons acastanhados. O castanho é, aliás, a cor que marca todo o universo de Gallo, cujo instinto provocatório viria - na romaria errante de The Brown Bunny - a encontrar nos lábios de Chlöe Sevigny o trampolim para todo o circo de acusações pouco dignas que circundou a sua exibição. Mais uma vez, a banda-sonora remete para alguém cuja auto-estima pode ser levada por uma ligeira brisa. O cinema mostra Gallo de dentro para fora, enquanto a música apresenta-o de fora para dentro. When é epiderme.
As bandas-sonoras que a espaços compunha para os seus filmes valeram ao multifacetado artista a atenção da sempre vigilante Warp. A editora que normalmente surge associada a recomendáveis nomes da electrónica actual lançava com relativa pompa o primeiro longa-duração assinado exclusivamente por Gallo. When surpreende, logo ao primeiro contacto, por ser imprevisivelmente cristalino e cândido - a voz de Vincent Gallo não ultrapassa o murmúrio e chega a ser risível, confesso. Ele, que chegara a "flirtar" o rap enquanto este desabrochava (ainda certo petiz de Detroit usava fraldas), assume em When a persona do crooner desgraçado que tem o arco-íris (veja-se a capa) por horizonte e mune-se do nostálgico tom dos "mellotrons" e guitarras quadragenárias para lá chegar. Em toada confessional e por entre odes retraídas a Paris Hilton e outros nomes ocultados por pseudónimos, Gallo cunha um sincero registo romântico que parece idealizado de acordo com as necessidades da Nação Prozac.
Atendendo ao egocentrismo que pauta grande parte das suas recentes demonstrações artísticas, When seria inevitavelmente conceptualizado em torno do reflexo de Gallo, qual reinventado numa variante romântica de Travis Bickle: sempre pronto a sabotar mais um relacionamento bem encaminhado e partir ao acaso. As anteriores palavras poderiam até servir de sinopse a The Brown Bunny, e tal remete para uma curiosa conclusão: When era, afinal e conforme admitido pelo próprio autor, a verdadeira banda-sonora do quase auto-biográfico filme.
O que representa então o disco referenciado como OST - The Brown Bunny? Uma reinterpretação musical da triste sina que atormenta o pobre diabo enquanto este parte de flor em flor (é essa a metáfora adoptada no conturbado filme) em busca de felicidade. As peças no cubo de Gallo só conhecerão encaixe se acreditarmos que a sequência final de The Brown Bunny demonstra um beijo apaixonado e não a banalidade da pornografia. Acredite-se ou não nas boas intenções do iconoclasta, permanecerá intacto o seu bom gosto por preciosidades musicais obscuras, recuperadas nas suas bandas-sonoras ("Tears for dolphy" - de Ted Curson - é facilmente o melhor tema jazz que descobri este ano) e a sagacidade na escolha de John Frusciante (camarada de longa data) para um tratamento alheio do imaginário que só a Gallo pertence.
Apenas um defeito pode ser apontado à carreira que John Frusciante conduz a solo: a enorme dificuldade em assimilar o produto da sua enorme produtividade (seis discos em seis meses não é pêra doce). Não há que desesperar pois encontram-se aqui as composições que o guitarrista dos Red Hot Chili Peppers criou propositadamente (duvide-se disso, mesmo assim) para The Brown Bunny - prontas a servir de brevíssimo "listener's digest" ao ouvido de interessados. Gallo vetou inclusão das músicas e ao que parece viveram-se momentos de tensão entre os dois artistas na noite que o realizador comunicou a decisão ao seu companheiro. Não houve lugar para o ego dos dois galos no mesmo poleiro. Felizmente, e para bem de quem procura a forma mais prática de abraçar a carreira de Frusciante, aqui ficam registadas as representativas cinco faixas. Após entranhada a melancolia quase abertamente suicida das belíssimas "Forever away" ou "Dying song", não há que temer arriscar discos como To record only water for ten days (que conhece resenha nesta casa) ou Shadows collide with people. A par dos nomes de frequência AM que ressuscita, OST The Brown Bunny frisa John Frusciante como um "songwriter" cujo infinito talento urge acarinhar e louvar enquanto ainda der frutos.
Miguel ArsénioA música que compõe ou selecciona serve quase sempre de contraponto à tempestuosa persona que assume no cinema. Buffalo 66 continha uma provocação pouco subliminar: a escolha de Ricci para seu par romântico quando a actriz ainda não era sequer maior de idade. Mas logo a banda-sonora (maioritariamente composta por Gallo) expunha a fragilidade de alguém a quem felicidade sempre surge fugaz e tingida de tons acastanhados. O castanho é, aliás, a cor que marca todo o universo de Gallo, cujo instinto provocatório viria - na romaria errante de The Brown Bunny - a encontrar nos lábios de Chlöe Sevigny o trampolim para todo o circo de acusações pouco dignas que circundou a sua exibição. Mais uma vez, a banda-sonora remete para alguém cuja auto-estima pode ser levada por uma ligeira brisa. O cinema mostra Gallo de dentro para fora, enquanto a música apresenta-o de fora para dentro. When é epiderme.
As bandas-sonoras que a espaços compunha para os seus filmes valeram ao multifacetado artista a atenção da sempre vigilante Warp. A editora que normalmente surge associada a recomendáveis nomes da electrónica actual lançava com relativa pompa o primeiro longa-duração assinado exclusivamente por Gallo. When surpreende, logo ao primeiro contacto, por ser imprevisivelmente cristalino e cândido - a voz de Vincent Gallo não ultrapassa o murmúrio e chega a ser risível, confesso. Ele, que chegara a "flirtar" o rap enquanto este desabrochava (ainda certo petiz de Detroit usava fraldas), assume em When a persona do crooner desgraçado que tem o arco-íris (veja-se a capa) por horizonte e mune-se do nostálgico tom dos "mellotrons" e guitarras quadragenárias para lá chegar. Em toada confessional e por entre odes retraídas a Paris Hilton e outros nomes ocultados por pseudónimos, Gallo cunha um sincero registo romântico que parece idealizado de acordo com as necessidades da Nação Prozac.
Atendendo ao egocentrismo que pauta grande parte das suas recentes demonstrações artísticas, When seria inevitavelmente conceptualizado em torno do reflexo de Gallo, qual reinventado numa variante romântica de Travis Bickle: sempre pronto a sabotar mais um relacionamento bem encaminhado e partir ao acaso. As anteriores palavras poderiam até servir de sinopse a The Brown Bunny, e tal remete para uma curiosa conclusão: When era, afinal e conforme admitido pelo próprio autor, a verdadeira banda-sonora do quase auto-biográfico filme.
O que representa então o disco referenciado como OST - The Brown Bunny? Uma reinterpretação musical da triste sina que atormenta o pobre diabo enquanto este parte de flor em flor (é essa a metáfora adoptada no conturbado filme) em busca de felicidade. As peças no cubo de Gallo só conhecerão encaixe se acreditarmos que a sequência final de The Brown Bunny demonstra um beijo apaixonado e não a banalidade da pornografia. Acredite-se ou não nas boas intenções do iconoclasta, permanecerá intacto o seu bom gosto por preciosidades musicais obscuras, recuperadas nas suas bandas-sonoras ("Tears for dolphy" - de Ted Curson - é facilmente o melhor tema jazz que descobri este ano) e a sagacidade na escolha de John Frusciante (camarada de longa data) para um tratamento alheio do imaginário que só a Gallo pertence.
Apenas um defeito pode ser apontado à carreira que John Frusciante conduz a solo: a enorme dificuldade em assimilar o produto da sua enorme produtividade (seis discos em seis meses não é pêra doce). Não há que desesperar pois encontram-se aqui as composições que o guitarrista dos Red Hot Chili Peppers criou propositadamente (duvide-se disso, mesmo assim) para The Brown Bunny - prontas a servir de brevíssimo "listener's digest" ao ouvido de interessados. Gallo vetou inclusão das músicas e ao que parece viveram-se momentos de tensão entre os dois artistas na noite que o realizador comunicou a decisão ao seu companheiro. Não houve lugar para o ego dos dois galos no mesmo poleiro. Felizmente, e para bem de quem procura a forma mais prática de abraçar a carreira de Frusciante, aqui ficam registadas as representativas cinco faixas. Após entranhada a melancolia quase abertamente suicida das belíssimas "Forever away" ou "Dying song", não há que temer arriscar discos como To record only water for ten days (que conhece resenha nesta casa) ou Shadows collide with people. A par dos nomes de frequência AM que ressuscita, OST The Brown Bunny frisa John Frusciante como um "songwriter" cujo infinito talento urge acarinhar e louvar enquanto ainda der frutos.
migarsenio@yahoo.com
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