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V/A
The Electronic Bible - Chapter 1
· 19 Dez 2004 · 08:00 ·
V/A
The Electronic Bible - Chapter 1
2004
White Label Music


Sítios oficiais:
- V/A
- White Label Music
V/A
The Electronic Bible - Chapter 1
2004
White Label Music


Sítios oficiais:
- V/A
- White Label Music
Exorcize-se desde já este objecto da assombração "electro-clash" - esse bicho raro que se extinguiu antes de ter existido sequer. Os músicos que supostamente o cultivam são os primeiros a renegá-lo ao ridículo quando confrontados com o termo. O revivalismo já cá dançava e ainda cá dança se for necessário. Numa perspectiva mórbida, entende-se que a designação seja contornada, porque, assim que o funeral lhe for feito, haverá certamente quem se arrisque a ver-se enterrado vivo com o protótipo de género musical conhecido por "electro-clash" - neologismo que, verdade seja dita, terá servido apenas para que a vida das "fashion victims" e DJs a prazo fizesse mais sentido. Ann Shenton não pertence a qualquer um dos grupos mencionados e, ao reunir nesta compilação as propostas da sua preferência, marca o seu território.

A moça não se poupa a esforços quando toca a promover electrónica de melhor apanha: tal acontecia nos tempos em que integrava os louváveis e determinantes Add N to (X) e conhece agora continuidade no projecto Large Number (que contribui com duas faixas para a bíblia) e em iniciativas como esta. Não me parece que haja sequer sombra de oportunismo na demanda da dona da franja mais encantadora do "electro", pois Ann já por cá andava antes do contágio febril e evidencia vitalidade para ao surto sobreviver. Apesar de vagamente pretensioso, o primeiro capítulo (de três) da série The Electronic Bible traz estampado um selo de qualidade invisível. Garante, à partida, que por aqui se efectua um pequeno passo para os seus intervenientes, mas um grande passo para o género musical que todos representam: a electrónica de vanguarda, claro está. Oremos, irmãos.

A atitude dos Camp Actor garante-lhes o direito a almejarem a breve nota de roda-pé no capítulo da electrónica de forma híbridas. Uns furos acima, Johannes Malfatti e Alex Kloster (a dupla sediada em Berlim que conduz o projecto Transformer Di Roboter) vivem num mundo pixilizado a 8-bits. A prova disso está na valsa "Bueréré" compassada por "samples" que parecem ter sido pilhados ao grande clássico Spectrum "Manic Miner".

Alto e pára o baile! Mr. Jarvis Cocker estás nas imediações. Sob o pseudónimo de Darren Spooner, o britânico mais "cool" à face do planeta mostra nos Relaxed Muscle os seus dotes na área da electrónica afrodisíaca. Pena que o resultado remeta para uns Blur sob o efeito de uma considerável dose de Viagra em vez de uns Pulp com duas pastilhas de Ecstasy no papo. Pior que isso só mesmo os Oasis num estado de sobriedade.

Deixem cair um sintetizador e um trombone empoeirado nas mãos de Tom Waits (fase The black rider) e o resultado seria em tudo semelhante a "Hobgoblins" (conduzido pelo Mount Vernon Arts Lab) - candidato ao Razzie de pior curta-metragem gore e ao título de melhor faixa da compilação. O tom cinematográfico prevalece em "Second-hand submarine" - petardo de expressionismo sónico ensaiado por Fashion Flesh. Concluídos os dois instrumentais, fica a ideia de que o cume da montanha já ficou para trás.

As agulhas do sismógrafo não conhecem paramento enquanto se sucedem os desabamentos de muralhas sónicas: a rugosa boémia de "Spheries" (John Cavanagh sob o disfarce de Phosphene - nome a ter em conta) e a fronteira da estridência atravessada por N em "The hackney homonculus". Não há muita paciência para o "bubblegum" das Rauber Hohlle e muito menos haverá para a marcha bitonal dos soldadinhos Heim. Ainda assim, avancem confiantes os entusiastas, pois nenhuma destas propostas é incontornavelmente intragável. Aliás, as afinidades entre os projectos representados são tantas que a familiaridade chega a ser perceptível e abonatória. Assim, o espírito de equipa colmata a fraqueza de determinadas individualidades.

Contabilizados os versículos, The Electronic Bible - Chapter 1 vale mais pelas preciosas pistas que faculta do que pelo seu impacto imediato. Daí o seu título. Um disco para quem vive intensamente as horas A.M., para quem conhece bem os cantos ao Lux e, essencialmente, para quem nunca acreditou no "clash" ou acredita em electrónica para além do "cash". Ámen.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com

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