DISCOS
Dictaphone
M.=addiction / Nach EP
· 16 Dez 2004 · 08:00 ·

Dictaphone
M.=addiction / Nach EP
2004
City Centre Offices
Sítios oficiais:
- Dictaphone
- City Centre Offices
M.=addiction / Nach EP
2004
City Centre Offices
Sítios oficiais:
- Dictaphone
- City Centre Offices

Dictaphone
M.=addiction / Nach EP
2004
City Centre Offices
Sítios oficiais:
- Dictaphone
- City Centre Offices
M.=addiction / Nach EP
2004
City Centre Offices
Sítios oficiais:
- Dictaphone
- City Centre Offices
O exótico só o é quando longínquo e invulgar. Os frutos que se equilibram na cabeça de Cármen Miranda são mais apetecíveis por estarem à distância de um oceano. O pescador que amanha o anzol é uma imagem recorrente aos olhos de quem por cá habita, mas nem por isso será menos interessante que o Mariachi que canta à porta da "bodeguita". A música dos Dictaphone é tão distante quanto o exotismo.
Quis o destino que a criatividade marcasse encontro em Berlim. O multi-intrumentista Oliver Doerel e Roger Döring (saxofone e clarinete) servem de espinha dorsal a um projecto cujas portas estão abertas a colaborações e sinergias várias. Por lá têm passado Malka Spigel (ex-Minimal Compact), Stephan Wöhrmann e Piotr Rybkowski. As Berlin Sessions unem o "know how" de quem ia vivendo à custa da coreografia ao caule de quem trata a manipulação de som por tu. Celebra-se - com foguetes que implodem - a terceira via que resulta da multiculturalidade. A capital que um dia esteve separada por um muro converge agora os imaginários de quem se dissolve na música aqui praticada.
O "dictaphone" é um aparelho que regista e reproduz sons através do magnetofone. Introduz no que é captado uma componente que o torna mais indefinido e consequentemente característico, enquanto resultado de um filtro. Redimensionado à vontade dos músicos que o programaram, o Dictaphone passa a projectar a vivência e sonho dos seus utentes na abrangência do celulóide. Tenta reproduzir a seu favor uma das mais exemplificativas qualidades da Sétima Arte: a capacidade de tudo transformar - seja BD em mau cinema ou eventos históricos em obras-primas.
M.= addiction - o primeiro longa-duração lançado pela dupla - eleva o universo de Philip K. Dick a um plano musical onde os andróides passam a sonhar com unicórnios que cantam como as sereias. A lógica de um disco como este é tão absurda e subversiva quanto as minhas anteriores palavras; tal como acontece sempre que um emissor faz pipocas da atenção cedida por alguém que parece disposto a absorver a complexidade de outrem num curto período de tempo. Valendo-se do seu charme subliminar, M.=addiction é um daqueles "mind jobs" capazes de converter ao minimalismo o mais acérrimo admirador de rock progressivo. É um plano-sequência de uma espiral filmado por Andy Warhol.
Toca a malhar na cinefilia, pois é lá que reside o cerne da questão. Através do capital ganho com a composição de música para filmes e televisão (Roger Döring compôs a banda-sonora de "Alaska.de"), os Dictaphone ganham a estabilidade necessária para se aventurarem na produção independente. O que assumem como sendo autobiográfico, exalta a mestria de quem sabe lidar com as exigências da narrativa e conjugar isso com um ideário cinéfilo. M.=addiction bem podia ser a banda-sonora da Cinematic Orchestra para um filme de espionagem realizado por Wong Kar-wai. Os que já salivam fiquem também a saber que por aqui o orgânico (instrumentos de sopro) seduz a electrónica num ritual de acasalamento descontraído em que cada um exibe com sensualidade o melhor de si. O desfecho ficaria reservado para o EP Nacht.
Pois se o primeiro disco é sedução, o EP procedente é consumação ou eminência disso. Nacht EP faculta pistas do que pode estar reservado além-"Fidelio". A noite disfarça-se de "lounge" para presenciar o que vai para lá da porta verde. A combustão por aqui é lenta e branda: a percussão reclama para si o mesmo protagonismo que uma goteira, enquanto o saxofone e a textura ambiente se perdem em cortesias na partilha de espaço.
"Peaks" - a faixa que serve de mote ao EP - é por demais óbvia na forma como invoca a série televisiva de culto: a Mulher do Tronco decidiu convidar o Maneta para uma última dança no Black Lodge. A referência faz sentido já que a música dos Dictaphone é tão imprevisível quanto o cinema de Lynch. Ambas as entidades respeitam uma linearidade que, no caso dos Dictaphone, não podia ser mais perceptível em Nacht EP: curta-metragem que serve de sequela a M.=addiction ou, se quiserem, o aglomerado das cenas mais escaldantes amputadas à versão exibida em sala.
Temos em mãos dois fascinantes tratados de cinema feito música. Tão simples quanto isso. Unidos numa elegia escrita a néon tornam-se ainda mais apreciáveis. First we'll take Hollywood, then we'll take Berlin.
M.=addiction - 2002
Nacht EP - 2004
Miguel ArsénioQuis o destino que a criatividade marcasse encontro em Berlim. O multi-intrumentista Oliver Doerel e Roger Döring (saxofone e clarinete) servem de espinha dorsal a um projecto cujas portas estão abertas a colaborações e sinergias várias. Por lá têm passado Malka Spigel (ex-Minimal Compact), Stephan Wöhrmann e Piotr Rybkowski. As Berlin Sessions unem o "know how" de quem ia vivendo à custa da coreografia ao caule de quem trata a manipulação de som por tu. Celebra-se - com foguetes que implodem - a terceira via que resulta da multiculturalidade. A capital que um dia esteve separada por um muro converge agora os imaginários de quem se dissolve na música aqui praticada.
O "dictaphone" é um aparelho que regista e reproduz sons através do magnetofone. Introduz no que é captado uma componente que o torna mais indefinido e consequentemente característico, enquanto resultado de um filtro. Redimensionado à vontade dos músicos que o programaram, o Dictaphone passa a projectar a vivência e sonho dos seus utentes na abrangência do celulóide. Tenta reproduzir a seu favor uma das mais exemplificativas qualidades da Sétima Arte: a capacidade de tudo transformar - seja BD em mau cinema ou eventos históricos em obras-primas.
M.= addiction - o primeiro longa-duração lançado pela dupla - eleva o universo de Philip K. Dick a um plano musical onde os andróides passam a sonhar com unicórnios que cantam como as sereias. A lógica de um disco como este é tão absurda e subversiva quanto as minhas anteriores palavras; tal como acontece sempre que um emissor faz pipocas da atenção cedida por alguém que parece disposto a absorver a complexidade de outrem num curto período de tempo. Valendo-se do seu charme subliminar, M.=addiction é um daqueles "mind jobs" capazes de converter ao minimalismo o mais acérrimo admirador de rock progressivo. É um plano-sequência de uma espiral filmado por Andy Warhol.
Toca a malhar na cinefilia, pois é lá que reside o cerne da questão. Através do capital ganho com a composição de música para filmes e televisão (Roger Döring compôs a banda-sonora de "Alaska.de"), os Dictaphone ganham a estabilidade necessária para se aventurarem na produção independente. O que assumem como sendo autobiográfico, exalta a mestria de quem sabe lidar com as exigências da narrativa e conjugar isso com um ideário cinéfilo. M.=addiction bem podia ser a banda-sonora da Cinematic Orchestra para um filme de espionagem realizado por Wong Kar-wai. Os que já salivam fiquem também a saber que por aqui o orgânico (instrumentos de sopro) seduz a electrónica num ritual de acasalamento descontraído em que cada um exibe com sensualidade o melhor de si. O desfecho ficaria reservado para o EP Nacht.
Pois se o primeiro disco é sedução, o EP procedente é consumação ou eminência disso. Nacht EP faculta pistas do que pode estar reservado além-"Fidelio". A noite disfarça-se de "lounge" para presenciar o que vai para lá da porta verde. A combustão por aqui é lenta e branda: a percussão reclama para si o mesmo protagonismo que uma goteira, enquanto o saxofone e a textura ambiente se perdem em cortesias na partilha de espaço.
"Peaks" - a faixa que serve de mote ao EP - é por demais óbvia na forma como invoca a série televisiva de culto: a Mulher do Tronco decidiu convidar o Maneta para uma última dança no Black Lodge. A referência faz sentido já que a música dos Dictaphone é tão imprevisível quanto o cinema de Lynch. Ambas as entidades respeitam uma linearidade que, no caso dos Dictaphone, não podia ser mais perceptível em Nacht EP: curta-metragem que serve de sequela a M.=addiction ou, se quiserem, o aglomerado das cenas mais escaldantes amputadas à versão exibida em sala.
Temos em mãos dois fascinantes tratados de cinema feito música. Tão simples quanto isso. Unidos numa elegia escrita a néon tornam-se ainda mais apreciáveis. First we'll take Hollywood, then we'll take Berlin.
M.=addiction - 2002
Nacht EP - 2004
migarsenio@yahoo.com
ÚLTIMOS DISCOS


ÚLTIMAS