DISCOS
Johnny Marr & the Healers
Boomslang
· 11 Dez 2004 · 08:00 ·
Johnny Marr & the Healers
Boomslang
2003
iMusic


Sítios oficiais:
- Johnny Marr & the Healers
- iMusic
Johnny Marr & the Healers
Boomslang
2003
iMusic


Sítios oficiais:
- Johnny Marr & the Healers
- iMusic
"I am a Boomslang, I am a Boomslang...", terá dito a misteriosa serpente a Johnny Marr numa noite de sono inquieto. Envolto na estranha sensação de não poder recusar o que quer que seja ao malfadado réptil, Marr acorda com o desejo de cumprir algo vagamente presumido como uma missão. Sem se permitir recuperar das sensações provocadas pela experiência esotérica, Marr acredita que chegou a hora de se ver a braços com um novo desafio: deixar a sombra e lançar um álbum verdadeiramente seu.

Apresentações para quê? Johnny Marr, um dos mais aclamados guitarristas de sempre, surge em 2003 com o seu primeiro registo a solo. Contudo, a tarefa de fazer chegar aos escaparates um álbum inesquecível torna-se para o consagrado Marr um verdadeiro bico de obra. Isto porque, quando se compõe, apenas aos 22 anos de idade, um álbum como The Queen is Dead durante a era The Smiths, o mundo ansia expectante por novas relíquias que não fiquem àquem da fasquia do excelente. E assim se revela o lado menos brando da consagração, aquele que sufoca e atrofia. Mas, longe destas cogitações estaria por certo Johnny Marr que, imperturbável, nos faz chegar este Boomslang.

Neste álbum Marr surpreende-nos com a sua aventura a solo (se bem que acompanhado da sua nova formação, os The Healers). Demarcando-se da electro-pop a que nos habituou durante toda a década de 90, em que fez parceria com Bernard Sumner nos Electronic, Marr decide explorar novo terreno. Para este perfilhar de novos caminhos, recruta o baixista Alonza Bevan (ex- Kula Shaker) e o baterista Zak Starkey (nada mais nada menos que o filho de Ringo Starr e membro da mais recente formação dos The Who). The Healers foram as palavras que Marr gravou na memória após a leitura atenta de A Doutrina Secreta de Madame Blavatsky, enquanto Boomslang é o nome de uma cobra que presumivelmente terá povoado um sonho do guitarrista.

O lançamento de um álbum pressupõe, grande parte das vezes, uma busca frenética de catalogação. Frequentemente, o melómano não consegue deixar de se perguntar: "Mas onde é que eu já ouvi isto ou parecido?". E irrompe-se numa inevitável teia de associações. Boomslang é pródigo neste tipo de exercício. Tão pródigo quanto surpreendente. Neste álbum vamos encontrar a sonoridade da Inglaterra dos anos 90, na altura em que madchester reinava através das figuras de proa, Stone Roses e Happy Mondays. E isto não prenuncia nada de bom. O problema nem é sentirmos que o álbum está um pouco deslocado da época em que se insere. Afinal, Marr já se habituou a não respeitar o dominante mainstream, na altura em que os The Smiths surgiram em plena era punk. O mais grave é termos de atender ao facto de que os Stone Roses ou os Happy Mondays foram, eles próprios, confessadamente, inspirar-se nos The Smiths. O que, desde logo, significa um retrocesso e mostra poucos rasgos de originalidade. Por outro lado, poderíamos pensar que tais influências constituem somente reminiscências dos próprios The Smiths, de quem Marr não consegue um suficiente distanciamento. É verdade que a faixa de abertura "The Last Ride" faz lembrar um pouco "What Difference Does It Make". Mas só um pouco... O resto transparece uma sonoridade já explorada pelos Stone Roses ou mais recentemente pelos Oasis (em "Be Here Now"), o que mostra que Marr e Liam Gallagher têm convivido bastante ultimamente. Desta linha afastam-se ligeiramente as faixas "Headland" e "Down on The Corner" (certamente uma das melhores do álbum), que insistem em riffs acústicos e mostram um claro desprendimento de Marr relativamente ao seu percurso dos últimos anos, nomeadamente nos Electronic.

Longe da apoteose de que era alvo a eficiente dupla criativa Marr-Morrissey, Johnny Marr continua a fazer música. Vendo bem, este álbum não ilustra a 100% as qualidades que fizeram de Marr um dos mais influentes guitarristas da sua geração, mas também não desmente o seu talento. E vem acrescentar mais um item ao seu recheadíssimo curriculum: o de líder. Para este álbum Marr fez de tudo: compôs, escreveu, interpretou e fez da guitarra o que ele sabe fazer. No entanto, as letras não são memoráveis. Na verdade, ressalvando a sua parceria com Beth Orton na escrita de "Concrete Sky", Johnny Marr não é um grande letrista. Quanto à sua voz, apesar de não ser má, também não é brilhante. Contudo, Marr continua a tocar magistralmente. Em Boomslang tudo é impecavelmente executado, fazendo oscilar a avaliação deste álbum entre o vale-a-pena-ouvir e o é-melhor-guardar-na-gaveta.

Boomslang dificilmente vai ser o álbum da vida de alguém. A sua descoberta será para muitos induzida pela mera curiosidade que este álbum desperta àqueles que se habituaram, devido à herança dos The Smiths, a acolher todos os trabalhos de Johnny Marr com reverência. Diga-se, em abono da verdade, que avaliando o percurso do guitarrista, consegue reconhecer-se na sua postura a de um excelente colaborador e não a de figura central de um projecto sólido. Marr é uma espécie de co-piloto, por excelência. Mas aguardemos pelo que reservam os próximos tempos a esta investida do lendário guitarrista pelos trilhos da liderança.
Eugénia Azevedo
eugeniaazevedo@bodyspace.net

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