DISCOS
o.blaat
Two novels: Gaze/In the colchea
· 26 Nov 2004 · 08:00 ·
É agachado e de braços estendidos que procedo a esta resenha. O corpo aponta para o Porto, pois é lá que está sediada a Crónica - exemplar impulsionadora de electrónica de vanguarda que, a cada lançamento, nunca garante menos que um experiência única armazenada em invólucro de refinado requinte gráfico. Geralmente, grande parte do que aqui se estranha progressivamente se entranha. Entenda-se cada nova adição ao catálogo da Crónica como um esclarecedor fascículo pertencente à grandiosa colecção "Tudo o que preciso de conhecer para melhor assimilar o que aí vem". Tal como qualquer junção aleatória de "blips" e "cracks" não constitui Avant-Garde de qualidade, também muita da nova electrónica não chega a ser aconselhável. Pois fiquem descansados, meus caros leitores, porque o produto da Crónica merece o título de nova tendência por excelência. Ao tradicional "a galinha da vizinha é sempre melhor que a minha" contraponha-se um provérbio de recurso:
"da electrónica que é nossa ninguém faz troça". Bem sei que alguns dos contribuidores são estrangeiros mas - fala o bairrismo - o quartel é lusitano!
O.Blaat (Keiko Uenishi de baptismo) faz do seu minimalismo de redoma um tubo de ensaio cosmopolita ao qual todos os intervenientes podem juntar a sua fórmula. A equipa de especialistas é de primeira linha: entre muitos outros, Kaffe Matthews, dj Olive e o violinista Eyvind Kang (que ainda este ano tivemos a oportunidade de ver ao vivo na Aula Magna pela mão dos Fantômas). Inspirada pelos ruídos em estado bruto absorvidos a um qualquer apartamento de Brooklyn(onde mora actualmente), o.blaat tece o seu manto de herméticas variantes do nada. Two novels, dividido entre Gaze e In the colchea, é uma objecto conceptual dois-em-um. É, além disso, um imponente tratado de "storytelling" abstracto e corcunda, no sentido de ser imperfeito e simultaneamente dócil.
Gaze lança no ar oito pétalas potencialmente acusmáticas que acabarão por adormecer no esplendor da relva. "One morning" é imparavelmente epiléptico. Galopam a trote as texturas ruidosas que convergem em uníssono. Baralham-se os sentidos enquanto o pólen se espalha. "Egg salad sandwich" é, tal como nome indica, um denso equívoco de múltiplos ruídos misturados numa salada confeccionada ao ritmo alucinante da montagem de "Requiem for a dream - A vida não é um sonho". No seu enquadramento esférico, "Gone fishing" serve de genérico à "Quinta das electricidades", onde o. blaat e DJ Olive expõem o resultado da sinergia entre frequências intermitentes e aquilo que parece ser o grunhido de um porco.
Por meio de meticuloso arbítrio da estática e suiça cronometragem do tempo a ceder a textura y ou x, o.blaat ensaia as suas micro-narrativas na senda de uma realidade oblíqua onde o mascar do caruncho prepondera ao rosnar do leão. Todos estes são ínfimos fenómenos da zoologia e botânica que, observados à lupa, servem de fotossíntese a esta orquídea digital.
Destinado a ser auscultado em vez de escutado a ouvido nu, In the colchea desafia a convenção de um John(Lennon)(imortalizada nas palavras "Say what you mean, make it rhyme, and put a beat to it") em favor da de outro(Cale), que nega a existência do silêncio. Sucedem-se logicamente nove exercícios onde a cacofonia (oiça-se "Eight-o) e os extremos são agentes de um objecto que procura estimular o aparelho auditivo (podendo até feri-lo se escutados acima de determinado volume), e consegue-o plenamente.
Escutar Two novels:Gaze/In the colchea é como levar a cabo um jogo de Mikado cerebral que opõe os nossos sentidos à imaginação de o.blaat. A cada pauzinho cuidadosamente retirado, mais uma porção de um imaginário que não se dispõe a diagnósticos concretos. Desabrochou uma linda flor no jardim da nova electrónica.
Miguel ArsénioO.Blaat (Keiko Uenishi de baptismo) faz do seu minimalismo de redoma um tubo de ensaio cosmopolita ao qual todos os intervenientes podem juntar a sua fórmula. A equipa de especialistas é de primeira linha: entre muitos outros, Kaffe Matthews, dj Olive e o violinista Eyvind Kang (que ainda este ano tivemos a oportunidade de ver ao vivo na Aula Magna pela mão dos Fantômas). Inspirada pelos ruídos em estado bruto absorvidos a um qualquer apartamento de Brooklyn(onde mora actualmente), o.blaat tece o seu manto de herméticas variantes do nada. Two novels, dividido entre Gaze e In the colchea, é uma objecto conceptual dois-em-um. É, além disso, um imponente tratado de "storytelling" abstracto e corcunda, no sentido de ser imperfeito e simultaneamente dócil.
Gaze lança no ar oito pétalas potencialmente acusmáticas que acabarão por adormecer no esplendor da relva. "One morning" é imparavelmente epiléptico. Galopam a trote as texturas ruidosas que convergem em uníssono. Baralham-se os sentidos enquanto o pólen se espalha. "Egg salad sandwich" é, tal como nome indica, um denso equívoco de múltiplos ruídos misturados numa salada confeccionada ao ritmo alucinante da montagem de "Requiem for a dream - A vida não é um sonho". No seu enquadramento esférico, "Gone fishing" serve de genérico à "Quinta das electricidades", onde o. blaat e DJ Olive expõem o resultado da sinergia entre frequências intermitentes e aquilo que parece ser o grunhido de um porco.
Por meio de meticuloso arbítrio da estática e suiça cronometragem do tempo a ceder a textura y ou x, o.blaat ensaia as suas micro-narrativas na senda de uma realidade oblíqua onde o mascar do caruncho prepondera ao rosnar do leão. Todos estes são ínfimos fenómenos da zoologia e botânica que, observados à lupa, servem de fotossíntese a esta orquídea digital.
Destinado a ser auscultado em vez de escutado a ouvido nu, In the colchea desafia a convenção de um John(Lennon)(imortalizada nas palavras "Say what you mean, make it rhyme, and put a beat to it") em favor da de outro(Cale), que nega a existência do silêncio. Sucedem-se logicamente nove exercícios onde a cacofonia (oiça-se "Eight-o) e os extremos são agentes de um objecto que procura estimular o aparelho auditivo (podendo até feri-lo se escutados acima de determinado volume), e consegue-o plenamente.
Escutar Two novels:Gaze/In the colchea é como levar a cabo um jogo de Mikado cerebral que opõe os nossos sentidos à imaginação de o.blaat. A cada pauzinho cuidadosamente retirado, mais uma porção de um imaginário que não se dispõe a diagnósticos concretos. Desabrochou uma linda flor no jardim da nova electrónica.
migarsenio@yahoo.com
ÚLTIMOS DISCOS


ÚLTIMAS