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V/A
Choosing Death: The original soundtrack
· 12 Nov 2004 · 08:00 ·
Milhares de encarregados de educação estão enganados. Os tentáculos mais obscuros do metal não representam a ameaça aos bons costumes morais que tantos temem. O choque é uma arte e, neste caso, comporta tanto de fascinante como de repulsivo. O metal mais pesado é muito mais que o fenómeno focado na reportagem sensacionalista que o nosso quarto canal transmitiu há alguns anos. Os crimes de Ílhavo eram, na altura, o peixe a vender e Tó Jó um rosto visível a que os pais pudessem apontar o dedo. Perante os pombinhos sacrificados em palco, a incompreensão cega cede ao medo em vez de apurar que tais
bizarrias não são mais que a componente cénica que a variante Black Metal cultivou ad-nausea.
A cada vez que uma capela ou igreja era incendiada ficava a ideia de que a música tinha sido remetida para um segundo plano, o que, assimilada a lição adquirida ao glam-rock, é sempre um terrível presságio. Um género que triunfara através da sua aliança a uma componente artístico-visual vincada e capaz do impacto desejado dispensa a associação ao "show off" espalhafatoso e, digo eu, as pinturas faciais à King Diamond. E o melhor talvez seja terminar este parágrafo por aqui não me vá desabar o tecto em cima.
A ideia de que o estado actual do metal mais extremo possa ou não ser o mais recomendável é discutível. Incontestável é a certeza de que duas das suas mais firmes ramificações (death metal e grindcore) sobreviveram e superaram as adversidades impostas por uma indústria comercial que sempre favorece a inércia e continuidade ao risco "vai ou racha". Fosse pelo brio dos seus praticantes ou pela religiosa militância dos seus admiradores, a verdade é que ambos os géneros musicais alcançaram um surpreendente êxito. Sempre na penumbra, foi-se estruturando um circuito comercial aliado a um roteiro de concertos suficientemente sólido. A improvável transposição para uma escala global ocorreu assim que alguém se apercebeu de que a brutalidade podia ser rentável, por altura da aliança entre a fulcral Earache e a gigantesca Columbia.
São estas as premissas exploradas no livro "Choosing Death: The Improbable of Death Metal & Grindcore" de Albert Mudrian. Choosing Death: the original soundtrack é o disco que lhe serve de banda-sonora e acompanhamento ideal para a leitura. É, além disso, uma esclarecedora amostra do metal mais extremo das últimas duas décadas. A locomoção do meio é incessante: o testemunho muda de mãos de maneira a que a criatividade não estagne, e é por isso que são chamados a intervir os mais dignos herdeiros ao transportar da tocha (é curioso que grande parte pertença ao catálogo da Relapse). São mais que muitos os motivos para comemorar. São vinte músicas, vinte velas a serem sopradas pelo metal que emergiu do underground.
Durante a primeira metade da sua duração, Choosing Death estende a passadeira negra às notoriedades que fizeram do peso a sua implacável virtude. Enquanto desfilam os nomes obrigatórios, também os indicies de "headbanging" vão subindo ou diminuindo. O grindcore sem espinhas dos Siege ou Repulsion - ambos influentes e esporádicos - é bem capaz de lançar uns quantos olhos em órbita e mudar mais umas quantas vidas, mas pertence aos Napalm Death a coroa do grindcore. O facto de serem a única banda com direito a dupla presença pode ter um significado, e a verdade é que, asseguradas as devidas honras, os Napalm Death surgem em jogo com "Scum" e a aura de quem nada mais tem a provar. Ainda que assim seja, aí está Leaders not followers part 2 para dissipar as dúvidas a quem ainda as tenha.
A profanidade não conhece termo enquanto somos conduzidos pela "memory lane" do metal como se quer: abrasivo e frontal. Cá estão os Morbid Angel com "Chapel of gouls" - extraída ao proeminente Altars of madness -, Obituary com o abrangente clássico "Slowly we rot" - retirado ao disco com o mesmo nome - e a fábrica dos horrores que responde pelo nome de Cannibal Corpse. Ao contrário do que é comum, este filme gore conta com um elenco de luxo capaz de facultar a diversidade de registos pretendida.
O elo mais fraco do equilíbrio herético surge apenas com uma ou outra ovelha negra pertencente à nova escola. É o caso dos suecos Opeth, que intervêm com "Demon of the fall" - épico polvilhado pelos característicos momentos acústicos. Embora surjam deslocados, vai sendo cada vez mais notória a influência do colectivo junto de projectos lusitanos como os mui promissores Dawn.... A sardinha a que a Relapse puxa a brasa acaba por ser os Pig Destroyer - cada vez mais engenhosos na alquimia do caos. Recomenda-se o recente tratado esquizofrénico Terryfier.
As t-shirts negras salpicadas de vermelho-sangue, braços cruzados ao alto, um "chifrudo" em cada mão: todos sintomas da incorruptibilidade do mais fiel público que a música já conheceu. Além de servir os propósito de um livro, Choosing Death congratula os militantes por todos estes anos de lealdade e recebe de braços abertos (e um punhal escondido) todos os que ainda não cederam à tentação. Vale como documento perfeitamente capaz de estabelecer a distinção (geralmente distorcida pelos mitos) entre o indispensável e o puramente anedótico (Anal Cunt e Brujeria à cabeça). As trevas à mão de semear.
Miguel ArsénioA cada vez que uma capela ou igreja era incendiada ficava a ideia de que a música tinha sido remetida para um segundo plano, o que, assimilada a lição adquirida ao glam-rock, é sempre um terrível presságio. Um género que triunfara através da sua aliança a uma componente artístico-visual vincada e capaz do impacto desejado dispensa a associação ao "show off" espalhafatoso e, digo eu, as pinturas faciais à King Diamond. E o melhor talvez seja terminar este parágrafo por aqui não me vá desabar o tecto em cima.
A ideia de que o estado actual do metal mais extremo possa ou não ser o mais recomendável é discutível. Incontestável é a certeza de que duas das suas mais firmes ramificações (death metal e grindcore) sobreviveram e superaram as adversidades impostas por uma indústria comercial que sempre favorece a inércia e continuidade ao risco "vai ou racha". Fosse pelo brio dos seus praticantes ou pela religiosa militância dos seus admiradores, a verdade é que ambos os géneros musicais alcançaram um surpreendente êxito. Sempre na penumbra, foi-se estruturando um circuito comercial aliado a um roteiro de concertos suficientemente sólido. A improvável transposição para uma escala global ocorreu assim que alguém se apercebeu de que a brutalidade podia ser rentável, por altura da aliança entre a fulcral Earache e a gigantesca Columbia.
São estas as premissas exploradas no livro "Choosing Death: The Improbable of Death Metal & Grindcore" de Albert Mudrian. Choosing Death: the original soundtrack é o disco que lhe serve de banda-sonora e acompanhamento ideal para a leitura. É, além disso, uma esclarecedora amostra do metal mais extremo das últimas duas décadas. A locomoção do meio é incessante: o testemunho muda de mãos de maneira a que a criatividade não estagne, e é por isso que são chamados a intervir os mais dignos herdeiros ao transportar da tocha (é curioso que grande parte pertença ao catálogo da Relapse). São mais que muitos os motivos para comemorar. São vinte músicas, vinte velas a serem sopradas pelo metal que emergiu do underground.
Durante a primeira metade da sua duração, Choosing Death estende a passadeira negra às notoriedades que fizeram do peso a sua implacável virtude. Enquanto desfilam os nomes obrigatórios, também os indicies de "headbanging" vão subindo ou diminuindo. O grindcore sem espinhas dos Siege ou Repulsion - ambos influentes e esporádicos - é bem capaz de lançar uns quantos olhos em órbita e mudar mais umas quantas vidas, mas pertence aos Napalm Death a coroa do grindcore. O facto de serem a única banda com direito a dupla presença pode ter um significado, e a verdade é que, asseguradas as devidas honras, os Napalm Death surgem em jogo com "Scum" e a aura de quem nada mais tem a provar. Ainda que assim seja, aí está Leaders not followers part 2 para dissipar as dúvidas a quem ainda as tenha.
A profanidade não conhece termo enquanto somos conduzidos pela "memory lane" do metal como se quer: abrasivo e frontal. Cá estão os Morbid Angel com "Chapel of gouls" - extraída ao proeminente Altars of madness -, Obituary com o abrangente clássico "Slowly we rot" - retirado ao disco com o mesmo nome - e a fábrica dos horrores que responde pelo nome de Cannibal Corpse. Ao contrário do que é comum, este filme gore conta com um elenco de luxo capaz de facultar a diversidade de registos pretendida.
O elo mais fraco do equilíbrio herético surge apenas com uma ou outra ovelha negra pertencente à nova escola. É o caso dos suecos Opeth, que intervêm com "Demon of the fall" - épico polvilhado pelos característicos momentos acústicos. Embora surjam deslocados, vai sendo cada vez mais notória a influência do colectivo junto de projectos lusitanos como os mui promissores Dawn.... A sardinha a que a Relapse puxa a brasa acaba por ser os Pig Destroyer - cada vez mais engenhosos na alquimia do caos. Recomenda-se o recente tratado esquizofrénico Terryfier.
As t-shirts negras salpicadas de vermelho-sangue, braços cruzados ao alto, um "chifrudo" em cada mão: todos sintomas da incorruptibilidade do mais fiel público que a música já conheceu. Além de servir os propósito de um livro, Choosing Death congratula os militantes por todos estes anos de lealdade e recebe de braços abertos (e um punhal escondido) todos os que ainda não cederam à tentação. Vale como documento perfeitamente capaz de estabelecer a distinção (geralmente distorcida pelos mitos) entre o indispensável e o puramente anedótico (Anal Cunt e Brujeria à cabeça). As trevas à mão de semear.
migarsenio@yahoo.com
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