DISCOS
John Frusciante
To Record Only Water for Ten Days
· 27 Set 2004 · 08:00 ·

John Frusciante
To Record Only Water for Ten Days
2001
Warner Bros. Records
Sítios oficiais:
- John Frusciante
- Warner Bros. Records
To Record Only Water for Ten Days
2001
Warner Bros. Records
Sítios oficiais:
- John Frusciante
- Warner Bros. Records

John Frusciante
To Record Only Water for Ten Days
2001
Warner Bros. Records
Sítios oficiais:
- John Frusciante
- Warner Bros. Records
To Record Only Water for Ten Days
2001
Warner Bros. Records
Sítios oficiais:
- John Frusciante
- Warner Bros. Records
Não é só a veia indie a latejar junto à parte criativa do nosso cérebro que nos faz produzir enunciados como “o Evan Dando é tão melhor sem os Lemonheads ao barulho”. É também uma avassaladora paixão pelo que esta gente compõe fora dos círculos mediáticos: coisas bonitas e confessionais. Coisas que dispensam leitura à lupa de uma certa quadratura do círculo, praça pública aberta à participação de gregos, troianos e pedagogos estéreis que, infelizmente, são o prato do dia na comunidade on-line (e outras), experimentada na apreciação apressada de textos escritos do coração para o papel ou o monitor. A inveja é um nojo e não merece ser rebatida, antes ignorada.
Posto isto, o enunciado lapidar, sisudo e frio: John Frusciante faz melhor figura quando não se deixa rodear pelos restantes Peppers. Não é odiozinho idiota, é mesmo verdade. O homem escreve canções que não são púrpura nem magenta, mas singelamente vermelho-sangue, escritas a meio caminho entre o goto e a cabeceira, o lavatório e uma casa de banho pública das mais nojentas da Escócia, como em Trainspotting, a película-sensação de inspiração indie de há uns anos atrás.
Dizer que Frusciante é um ex-toxicómano sem talento, uma ovelha tresmalhada, que se serve da fama dos Red Hot Chili Peppers para imprimir o seu ego em quatro pistas, é tão insultuoso que dói. Felizmente, há quem tenha um pingo de respeito pela dignidade humana e consiga avaliar para além da infinita estupidez que tolda a vista dos bem pensantes, sempre que se tenta contextualizar a vida duma pessoa das artes que esteve alguns anos amarrada a um vício.
Mas a vida de Frusciante esteve mesmo por um fio. Incapaz de lidar com o reconhecimento mundial pelos louros conquistados com os Peppers, formação que integrou desde verdes anos, abandonou depois de com ela gravar o seminal Blood Sugar Sex Magik e a ela regressou já limpo, deu os passos iniciáticos na viagem ao mundo dos ácidos. Ironicamente, parece ter sido um artigo perturbador da LA Weekly a despertar os amigos próximos e o próprio para a necessidade de recuperação. Esteticamente, é esse período que medeia a edição dos obscuros Niandra LaDes and Usually Just a T-Shirt (1995) e Smile From the Streets You Hold (dois anos mais tarde) e este mais luminoso To Record Only Water for Ten Days.
Se há discos de verdadeira catarse, de desvio de muitos graus em relação a trabalhos anteriores, de caminho na direcção da luz, To Record… tem de constar da lista. Com os planetas alinhados de novo, uma vida mais higiénica, mas a manter a indumentária baseada na flanela rude, um rosto a mostrar a barba de duas semanas e cabelos escorridos, Frusciante parece, a partir de 2001, estar a atravessar um período mais pueril de composição artística. Quem conhece o vídeo de “Going Inside”, a faixa de abertura, nota ali uma redundância, reposição exaustiva de planos, cortes ingénuos, imagem pobre, enfim uma delícia. A vida resumida em pouco mais de três minutos.
É logo à primeira canção que Frusciante recorda um passado que certamente o não envergonha, antes faz seguir em frente. De resto, é reparar na capa do disco, vestido a duas cores, muito veraneantes: o laranja e o azul. Ainda a caminhar sobre um limbo que não descola da pele nem da garganta, a voz soa honesta, perdida, incrivelmente solta e a apontar para o céu. Se não fosse feio, diríamos que as suas palavras não atravessam a laringe, vêm directamente das vísceras, dos restos de uma vida a experimentar os becos e apartamentos magros de calor humano.
O mosaico de fábulas humanas, contadas na primeira pessoa ou endereçadas sem rodeios à pessoa que escuta, faz deste disco uma proposta inspiradora que se incrusta e acompanha inconscientemente quando caminhamos à noite pelas ruas mal iluminadas de uma cidade. Frusciante não deve nada a ninguém, certamente não se arrepende de nada, no fundo trata-se do seu mundo, ninguém tem nada com isso. Mas nós sentimos uma certa gratidão por nos ajudar a insuflar alguma ironia e destreza nas palavras do dia-a-dia. Serão sempre palavras, esvaziadas ou cheias de significado, que encontram, a dada altura, uma câmara de eco e nos perseguem. Palavras lívidas, despidas, singulares.
As composições mais quentes, mais propícias para levar o madeiro à fogueira, são a descarnada “The First Season”, a belíssima e instrumental “Murderers” (a batida persistente e manipulada, as cordas esticadas e com pequeno espaço para expandir o som que desprendem) e a aditiva “Moments Have You”. Para este ano, John Frusciante já anunciou a edição de seis álbuns em seis meses, quatro em nome próprio, um do projecto que partilha com Joe Lally (dos Fugazi) e ainda outro, com a ajuda de Josh Klinghoffer. Frusciante continua a ser um pobre diabo, de escrita assombrada, mas sempre com muita pinta. Ainda caminha um pouco na penumbra mas agora leva uma candeia para iluminar os seus passos. Que continue por muitos anos.
Hélder GomesPosto isto, o enunciado lapidar, sisudo e frio: John Frusciante faz melhor figura quando não se deixa rodear pelos restantes Peppers. Não é odiozinho idiota, é mesmo verdade. O homem escreve canções que não são púrpura nem magenta, mas singelamente vermelho-sangue, escritas a meio caminho entre o goto e a cabeceira, o lavatório e uma casa de banho pública das mais nojentas da Escócia, como em Trainspotting, a película-sensação de inspiração indie de há uns anos atrás.
Dizer que Frusciante é um ex-toxicómano sem talento, uma ovelha tresmalhada, que se serve da fama dos Red Hot Chili Peppers para imprimir o seu ego em quatro pistas, é tão insultuoso que dói. Felizmente, há quem tenha um pingo de respeito pela dignidade humana e consiga avaliar para além da infinita estupidez que tolda a vista dos bem pensantes, sempre que se tenta contextualizar a vida duma pessoa das artes que esteve alguns anos amarrada a um vício.
Mas a vida de Frusciante esteve mesmo por um fio. Incapaz de lidar com o reconhecimento mundial pelos louros conquistados com os Peppers, formação que integrou desde verdes anos, abandonou depois de com ela gravar o seminal Blood Sugar Sex Magik e a ela regressou já limpo, deu os passos iniciáticos na viagem ao mundo dos ácidos. Ironicamente, parece ter sido um artigo perturbador da LA Weekly a despertar os amigos próximos e o próprio para a necessidade de recuperação. Esteticamente, é esse período que medeia a edição dos obscuros Niandra LaDes and Usually Just a T-Shirt (1995) e Smile From the Streets You Hold (dois anos mais tarde) e este mais luminoso To Record Only Water for Ten Days.
Se há discos de verdadeira catarse, de desvio de muitos graus em relação a trabalhos anteriores, de caminho na direcção da luz, To Record… tem de constar da lista. Com os planetas alinhados de novo, uma vida mais higiénica, mas a manter a indumentária baseada na flanela rude, um rosto a mostrar a barba de duas semanas e cabelos escorridos, Frusciante parece, a partir de 2001, estar a atravessar um período mais pueril de composição artística. Quem conhece o vídeo de “Going Inside”, a faixa de abertura, nota ali uma redundância, reposição exaustiva de planos, cortes ingénuos, imagem pobre, enfim uma delícia. A vida resumida em pouco mais de três minutos.
É logo à primeira canção que Frusciante recorda um passado que certamente o não envergonha, antes faz seguir em frente. De resto, é reparar na capa do disco, vestido a duas cores, muito veraneantes: o laranja e o azul. Ainda a caminhar sobre um limbo que não descola da pele nem da garganta, a voz soa honesta, perdida, incrivelmente solta e a apontar para o céu. Se não fosse feio, diríamos que as suas palavras não atravessam a laringe, vêm directamente das vísceras, dos restos de uma vida a experimentar os becos e apartamentos magros de calor humano.
O mosaico de fábulas humanas, contadas na primeira pessoa ou endereçadas sem rodeios à pessoa que escuta, faz deste disco uma proposta inspiradora que se incrusta e acompanha inconscientemente quando caminhamos à noite pelas ruas mal iluminadas de uma cidade. Frusciante não deve nada a ninguém, certamente não se arrepende de nada, no fundo trata-se do seu mundo, ninguém tem nada com isso. Mas nós sentimos uma certa gratidão por nos ajudar a insuflar alguma ironia e destreza nas palavras do dia-a-dia. Serão sempre palavras, esvaziadas ou cheias de significado, que encontram, a dada altura, uma câmara de eco e nos perseguem. Palavras lívidas, despidas, singulares.
As composições mais quentes, mais propícias para levar o madeiro à fogueira, são a descarnada “The First Season”, a belíssima e instrumental “Murderers” (a batida persistente e manipulada, as cordas esticadas e com pequeno espaço para expandir o som que desprendem) e a aditiva “Moments Have You”. Para este ano, John Frusciante já anunciou a edição de seis álbuns em seis meses, quatro em nome próprio, um do projecto que partilha com Joe Lally (dos Fugazi) e ainda outro, com a ajuda de Josh Klinghoffer. Frusciante continua a ser um pobre diabo, de escrita assombrada, mas sempre com muita pinta. Ainda caminha um pouco na penumbra mas agora leva uma candeia para iluminar os seus passos. Que continue por muitos anos.
hefgomes@gmail.com
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