O seguinte texto foi classificado para Maiores de 18 anos pelo Bodyspace:

Dado clínico #53: o auto-estrangulamento erótico acelera a pulsação do sangue, tornando o orgão genital masculino mais erecto e a prática onanista mais intensa e, desse modo, excitante. A eficácia em cada pessoa pode variar e não é aconselhável fazê-lo sem supervisionamento médico. Reza a lenda que Michael Hutchence (defunto vocalista dos INXS) encontrou a morte após ter levado essa variante da masturbação a um extremo de altíssimo risco para a vida. Para quem não sabe do que se trata, aconselha-se o visionamento do por demais gratuito Ken Park de Larry Clark.
Voltando à morte do malogrado cantor australiano, importa frisar que o conteúdo verídico das circunstâncias se dissipou numa nébula de mito e incalculadas presunções às mãos da imprensa cor-de-rosa e outras publicações de mau gosto. Não é de todo difícil estabelecer o paralelismo com a música e reputação dos Unsane. Quanto do que flutua por esse mar de informação pode ser falso? Não é fácil engolir um sapo deste tamanho e há quem jamais lhes tenha reconhecido o mérito e influência. Eles que deram um diferente colorido aos horizontes do hardcore, impuseram uma nova fasquia ao limite do que se pode alcançar em concerto com suas as infernais prestações e, tudo isto, sem nunca se terem deixado sugar por uma indústria filicida mas sim conquistando, contra todas as adversidades (incluindo um espancamento que quase ceifou a vida ao vocalista Chris Spencer), a credibilidade que ainda hoje lhes vale o aval da sempre tão exigente facção indie. A gloriosa aura que ainda paira sobre os nova-iorquinos Unsane leva-me a arriscar compará-los aos Black Flag. Uma actualização da banda de Henry Rollins, se assim preferirem.

É provável que o grafismo das minha primeiras palavras tenha soado a despropositado, mas basta uma breve passagem de olhos pelas capas dos diversos discos que compõem a discografia da banda para dar conta de que estamos a lidar com fanáticos do gore. Facto que também se reflecte na sonoridade que praticam, tão visceral como as mais sanguinárias tiras que Todd McFarlane desenhou para dar vida a Spawn. Tal como o supracitado gore, o cloreto de etilo ou a noz moscada (e respectivos efeitos secundários), também Scattered... é um prazer proibido incomum e conspirado de boca-em-boca.

Para comprovar a suposta verdade de toda esta teoria da conspiração basta referir três argumentos: a Matador evidenciou, mais uma vez, ser visionária ao contratá-los em início de carreira, os Unsane jamais se intimidaram em digressões caóticas partilhadas com os lendários Slayer ou os não menos respeitáveis Bio-Hazard (se esquecermos o período descendente que atravessam) e este Scattered, Smothered & Covered, que fica para a posteridade como um dos mais emblemáticos dos documentos a consultar.
Dissecá-lo neste texto seria estragar a melhor surpresa de aniversário. Encarem estas linhas como um aperitivo. Importa apenas referir que Scattered... ganha fôlego no preciso momento em que o corpo aparenta estar prestes a perder os sentidos. Suspende o ruído que oxigena a música para, com estridente violência, libertá-lo no instante em que os dentes colidem com a pedra da calçada. O mesmo ruído que se evidencia ideal para interromper o silêncio celestial dos anúncios publicitários a pensos higiénicos. Para efeitos de "listener's digest" fica o colossal single "Scrape", a cujo videoclip a MTV tratou de aplicar um inapropriadíssimo sentido cómico-imbecil, para depois ignorar por completo os restantes telediscos da banda (muito provavelmente para facultar tempo de antena às 4 Non-Blondes).
Os Unsane vieram dar uma nova dimensão e definição ao termo power-trio. Cedo passaram a ser paragem obrigatória no roteiro do hardcore nova-iorquino. Partiram a loiça quando ainda havia muita porcelana a arremessar contra as paredes da cave onde parecem estar aprisionados. Na paisagem sonora da big apple de outrora, os Helmet representavam Dr. Jekyll enquanto que os Unsane correspondiam a Mr. Hyde. Duas faces de um mesmo personagem - protagonista de uma obra de ficção de leitura obrigatória.