DISCOS
cLOUDDEAD
Ten
· 07 Set 2004 · 08:00 ·
cLOUDDEAD
Ten
2004
Mush


Sítios oficiais:
- Mush
cLOUDDEAD
Ten
2004
Mush


Sítios oficiais:
- Mush
Aguentem a parada, senhores. cLOUDDEAD pode bem ser o vosso mais delirante pesadelo mas pode também ajudar no engate de uma miúda que não é carne nem peixe. Mas antes é preciso desbravar umas quantas ervas daninhas que se acumulam à entrada do disco segundo do colectivo. A rivalidade faca-na-boca entre a Definitive Jux Records e a Anticon não pode senão significar bons discos a dar nos terrenos do hip-hop e abstraccionismo. Entre Rob Sonic e Sole, entre El-P e Why? a estrada a percorrer é imensa. É uma estrada perdida, diria David Lynch, mas serve para mostrar ao mundo que há vida para além do LL Cool J ou do Busta Rhymes, já com o devido desconto dado aos Run-D.M.C.

Ten não é um disco fácil, nem sequer é das coisas mais acessíveis a sair da chancela da Anticon. Custa a entrar, demora a mastigar e raramente se engole. Três senhores juntam-se para formar uma criatura que nada deve ao hip-hop mas que lhe lava as vísceras e cospe o jantar em cima. São eles Doseone - o escriba, o produtor, o vocalista e o angariador de fundos pelas artes visuais, currículo invejável nos Deep Puddle Dynamics, Greenthink e Themselves, foi co-fundador da Anticon -, Why? - o puto reguila, é tudo o que o Doseone é mas faz música para headphones e tem um tema dedicado a uma galinha - e Odd Nosdam - a abelha-mestra neste enxame criativo, junta lo-fi com alta fidelidade e jura que não deve nada aos pais.

Nunca veremos este trio nas capas da Time ou da Economist, simplesmente porque cLOUDDEAD é para ouvir num quarto trancado e cantar em surdina. Quem conhece o homónimo de 2001 saberá que estes rapazes não jogam pelo seguro: decidiram editar o título de estreia como uma série de singles, dividi-lo em seis slots, cada um espartilhado em duas metades e com a presença de um amigo convidado - o grande DJ Signify, o comparsa Sole, Mr. Dibbs, Illogic, the Wolf Bros e the Bay Area Animals, não necessariamente por esta ordem.

Quando foi editado, em Maio último, Ten comecou logo a cheirar a bafio, não porque a música não fosse fresca - bem pelo contrário -, mas porque é dado como o segundo e derradeiro capítulo da formação. A capa parece uma película de filme, gasta pelo tempo passado na prateleira de uma Cinemateca esquecida pelos sôfregos espíritos citadinos. Ensaio detalhado das experiências que se podem fazer com o som e a voz, pode ouvir-se em Ten o ruído característico de uma gravação rudimentar, captada por uma velha cassete com fita à base de ferro. "Pop Song" é exactamente o oposto de uma cancão pop, é suja, cheia de lixo e repele metade dos potenciais interessados no disco.

A quem procura um número menos afectado aconselha-se a escuta atenta de "Rhymer's Only Room". Numa imaginária escala de pixéis sonoros, esta seria a menos cotada mas sem chegar a ser um exercício menor. Mas "Dead Dogs Two" é paragem obrigatória numa viagem que valida o rap de parêntesis, em que o comentário entre as linhas do texto principal é não só adereço de estilo mas também adenda mais que justificada se o todo for considerado. A faixa, sublime na arte de fazer composicões doentias, já facturou uma surpreendente remistura pelos Boards of Canada.

Atenção: os cLOUDDEAD são editados pela Mush, a casa de férias de Her Space Holiday ("The Young Machines" é do Outono passado) e Neotropic (uma miúda que edita essencialmente pela Ntone, subsidiária da Ninja Tune, e que se estreou na Mush com o belíssimo "White Rabbits"), mas é produto certificado Anticon. A ouvir com precaução.
Hélder Gomes
hefgomes@gmail.com

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