DISCOS
Khalab
Black Noise 2084
· 30 Out 2018 · 21:37 ·
Khalab
Black Noise 2084
2018
On The Corner Records


Sítios oficiais:
- Khalab
- On The Corner Records
Khalab
Black Noise 2084
2018
On The Corner Records


Sítios oficiais:
- Khalab
- On The Corner Records
A tradição e o futuro da Humanidade.
Este disco não será o primeiro a ter África, a ancestralidade, no coração. Nem será o último. Também não será o primeiro a retratá-la aos olhos da contemporaneidade. Nem será o último. Entre nós, a exemplo, a Príncipe Discos a muito disto se tem dedicado: a África minha, a África deles; o passado, a memória, a sabedoria dos avós, e a intersecção com o presente – a tradição a dado momento a emergir de mãos dadas com a modernidade, e tal gerar dinâmica que leva a um fluxo de energia criativa com singular desfecho.

A tradição não deve estar arredada da evolução da mesma maneira que a evolução não pode ser cega na direcção ao amanhã descurando aquilo que lhe é originador. Não há amanhã sem passado. Essa consciência também é marca da condição humana. Parece elementar? Repensem. Nos dias que correm, com vendedores da banha da cobra a evocar o passado como lugar sagrado a voltar (por mera táctica política de assalto ao poder), incutindo medos irracionais ao sugerir que a evolução será a completa degeneração da tradição, não será esta neo-dislexia a morte da força que arrastou a Humanidade até ao século XXI?

O mundo perfeito é utópico, sim, mas estará mais perto de tal se forem conciliáveis algumas ideias que pairam entre o tempo e o espaço. A política, a utopia, a tradição, a evolução; a modernidade a evocar a memória mais profunda; a restauração – qual respeitável monumento a ser socorrido dos elementos.

Todas estas partes fizeram parte da estratégia do radialista, dj e produtor italiano Raffaele Constantino, ou Khalab, que teve acesso privilegiado a velhas gravações de campo guardados nos arquivos do Royal Museum for Central Africa, em Bruxelas, e delas fez uso para iluminar o passado – rituais, os cantos ancestrais, ritmos tribais, mas também os fantasmas do colonialismo – e entrelaça-las com o presente – o minimalismo house em conluio com a mais hipnótica bass-music, e tiradas precisas de afro-jazz, mas também algum tento político (o tema "Black Noise" é um manifesto em que se esgrime a verdade, ou verdades, entre a sobrevivência e a opressão de muitos africanos, o antes, o agora, e reflexões para o amanhã).

A inglesa On The Corner Records já o ano passado nos havia presenteado com Super Liminal do colectivo londrino Penya – um registo não muito distante estilisticamente do que se ouve neste Black Noise 2084. O igualmente italiano Clap! Clap!, que colaborou com Khalab no soberbo "Cannavaro", arrumado quase no final do alinhamento deste disco, mostrou com o excelente A Thousand Skies, de 2016, que a pesquisa, a investigação (arqueológica) sonora, o indagar a tradição na esperança de ela mostrar o caminho do futuro, sem preconceitos, é o mais sagaz tratamento; astúcia que prende saudavelmente a Mãe-África à tecnologia pelo qual o deus-Homem se obcecou.

Black Noise 2084 é sublime por encontrar tão pertinente ponto de equilíbrio entre o futurismo e o arcaísmo. Isto deveria ser a tradição da Humanidade: sentir o tempo, os lugares, como um todo; liberdade. Mas as ideologias, e as armas e a ganância, sobrepõem-se – e fodem tudo! Este disco não será o primeiro a ter África, a ancestralidade, no coração. Nem será o último. Mas do seu singular pulso, da sua intensa energia mística, crava a sua marca na pedra da grande música por ser um dos raros que realmente consegue estar naquele lugar onde se escutam os espíritos intemporais a rogar pelo amor à humanidade, e consequentemente à eternidade. Por toda a consciência e consistência, OBRIGATÓRIO.
Rafael Santos
r_b_santos_world@hotmail.com

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