DISCOS
Pixies
Bossanova
· 13 Jun 2004 · 08:00 ·
A ironia começa no título mas não se fica por aí. Em Bossanova nada nos dirige até aos sons quentes vindos do Brasil que a bossanova traduz, mas mais curioso do que este apontamento é o facto de, no ano de passagem para uma nova década, os Pixies lançarem o álbum mais retro da sua curta carreira. Mesmo assim, pixieano como sempre.
Após umas curtas férias posteriores ao estoiro chamado Doolittle, a banda reuniu-se com o produtor Gil Norton em Los Angeles e, assim, nasceu Bossanova - de uma pausa para reflexão. Santiago acabara de regressar do Grand Canyon, onde tentara “se encontrar”, David Lovering da Jamaica e Black Francis de uma viagem que resolveu empreender pela América com a sua namorada num novo Cadillac. Kim, por sua vez, ficara por Boston a tocar com Tanya Donelly e Josephine Wiggs nas Breeders. Estacionado o carro na garagem, Francis vasculhou os discos de surf music que tinha lá por casa e deixou-se contagiar. A presença dos fantasmas Dick Dale, The Surftones e Beach Boys em Bossanova não é inocente mas também jamais descarada. “Cecilia Ann”, um instrumental dos Surftones que aqui é revisitado e que serve de (estrénuo) arranque ao álbum e o uso em “Velouria” e “Is She Weird” de um theremin – instrumento facilmente detectável em Good Vibrations dos Beach Boys – serão os grandes pontos de contacto. De resto, surf music, onde? Apenas entranhada, disfarçadamente, no rock ardente de temas como “Rock Music” – perto de dois minutos de sufoco e guitarras em ebulição, a lembrar “Tame” –, “Dig For Fire” ou “Hang Wire” – o hino de estádio mais forte do repertório dos Pixies.
Bossanova é, claramente, um álbum mais rugoso do que Doolittle. A candura de outrora, empenhada na voz e no baixo de Kim Deal, mal se ouve. Perde-se, neste registo, alguma da harmonia conquistada anteriormente no contraste de registo Kim Deal-doce/Black Francis-gritante. Bossanova lembra sol tórrido, suor, oásis de água, inquietação, dificuldade em respirar. Simultaneamente, pressente-se esperança, glória e nostalgia em cada um dos poros da música do álbum.
“Velouria”, “Hang Wire” e “Is She Weird” – em tom gótico e viciante – soam mais 80’s do que todas as canções de Surfer Rosa e Doolittle juntas, o que não é necessariamente mau. Ironicamente estávamos em 1990 e para trás ficava a responsabilidade por alguns dos mais inovadores momentos da história do rock.
Por outro lado, “Allison”, “All Over The World” – o standard alt. rock mais ensaiado nos anos 90 por algumas centenas de bandas - e “Stormy Weather” oferecem-nos os Pixies mais Doolittle que poderíamos reconhecer por aqui, a par da proeza pop estival “Dig For Fire”. “Ana” e “Havalina” picam o ponto para desmonstrar que a subtileza, expressa em tons amenos, também existia na música Pixies.
Liricamente falando, mais uma vez a excelência. Palavras sobre uma mulher que se despe ao sol, que caminha em direcção ao mar e desaparece com e pelas ondas. Palavras sobre palavras que não se conseguem dizer. Palavras sobre aliens. Palavras sobre os mistérios que um poço nos pode reservar. Palavras sobre uma mulher à distância das estrelas. Palavras que anunciam tempestade. Palavras sobre paisagens idílicas que não merecem existir neste mundo. Palavras que não significam nada. Palavras que tudo significam.
Tiago CarvalhoApós umas curtas férias posteriores ao estoiro chamado Doolittle, a banda reuniu-se com o produtor Gil Norton em Los Angeles e, assim, nasceu Bossanova - de uma pausa para reflexão. Santiago acabara de regressar do Grand Canyon, onde tentara “se encontrar”, David Lovering da Jamaica e Black Francis de uma viagem que resolveu empreender pela América com a sua namorada num novo Cadillac. Kim, por sua vez, ficara por Boston a tocar com Tanya Donelly e Josephine Wiggs nas Breeders. Estacionado o carro na garagem, Francis vasculhou os discos de surf music que tinha lá por casa e deixou-se contagiar. A presença dos fantasmas Dick Dale, The Surftones e Beach Boys em Bossanova não é inocente mas também jamais descarada. “Cecilia Ann”, um instrumental dos Surftones que aqui é revisitado e que serve de (estrénuo) arranque ao álbum e o uso em “Velouria” e “Is She Weird” de um theremin – instrumento facilmente detectável em Good Vibrations dos Beach Boys – serão os grandes pontos de contacto. De resto, surf music, onde? Apenas entranhada, disfarçadamente, no rock ardente de temas como “Rock Music” – perto de dois minutos de sufoco e guitarras em ebulição, a lembrar “Tame” –, “Dig For Fire” ou “Hang Wire” – o hino de estádio mais forte do repertório dos Pixies.
Bossanova é, claramente, um álbum mais rugoso do que Doolittle. A candura de outrora, empenhada na voz e no baixo de Kim Deal, mal se ouve. Perde-se, neste registo, alguma da harmonia conquistada anteriormente no contraste de registo Kim Deal-doce/Black Francis-gritante. Bossanova lembra sol tórrido, suor, oásis de água, inquietação, dificuldade em respirar. Simultaneamente, pressente-se esperança, glória e nostalgia em cada um dos poros da música do álbum.
“Velouria”, “Hang Wire” e “Is She Weird” – em tom gótico e viciante – soam mais 80’s do que todas as canções de Surfer Rosa e Doolittle juntas, o que não é necessariamente mau. Ironicamente estávamos em 1990 e para trás ficava a responsabilidade por alguns dos mais inovadores momentos da história do rock.
Por outro lado, “Allison”, “All Over The World” – o standard alt. rock mais ensaiado nos anos 90 por algumas centenas de bandas - e “Stormy Weather” oferecem-nos os Pixies mais Doolittle que poderíamos reconhecer por aqui, a par da proeza pop estival “Dig For Fire”. “Ana” e “Havalina” picam o ponto para desmonstrar que a subtileza, expressa em tons amenos, também existia na música Pixies.
Liricamente falando, mais uma vez a excelência. Palavras sobre uma mulher que se despe ao sol, que caminha em direcção ao mar e desaparece com e pelas ondas. Palavras sobre palavras que não se conseguem dizer. Palavras sobre aliens. Palavras sobre os mistérios que um poço nos pode reservar. Palavras sobre uma mulher à distância das estrelas. Palavras que anunciam tempestade. Palavras sobre paisagens idílicas que não merecem existir neste mundo. Palavras que não significam nada. Palavras que tudo significam.
tcarvalho@esec.pt
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