DISCOS
Secret Shine
There Is Only Now
· 26 Mai 2017 · 17:53 ·
Secret Shine
There Is Only Now
2017
Saint Marie Records
Sítios oficiais:
- Secret Shine
- Saint Marie Records
There Is Only Now
2017
Saint Marie Records
Sítios oficiais:
- Secret Shine
- Saint Marie Records
Secret Shine
There Is Only Now
2017
Saint Marie Records
Sítios oficiais:
- Secret Shine
- Saint Marie Records
There Is Only Now
2017
Saint Marie Records
Sítios oficiais:
- Secret Shine
- Saint Marie Records
Prémio fair-play.
O shoegaze não está "novamente" na moda; está definitivamente na moda, após 25 anos de uma longa travessia no deserto que viu grande parte dos seus fiéis desistir a meio da viagem e rumar a outras paragens. Hoje em dia, já ninguém usa o termo shoegaze como pejorativo, à semelhança do que faziam os periódicos britânicos da época. A "cena", se é que alguma vez existiu, já não se celebra a si mesmo; encontrou o seu espaço numa juventude tresloucada que aposta em reviver os bons velhos anos 90, dos quais muitos deles provavelmente nem se lembrarão. Falar de shoegaze em 2017 (ou em 2013, quando começaram a surgir os primeiros ecos de um revival) é colocar um parágrafo extra na fetichização que é feita do passado por oposição à alienação sentida no presente. Retromania, uma vez mais. E apenas e só isso.
O que não quer dizer que as bandas desse período, às quais foi colado este rótulo indigente e condescendente, não tivessem qualidade. E muitas delas foram sabendo alimentar os seus próprios mitos para voltarem a respirar no novo milénio: os My Bloody Valentine, por exemplo, que ficaram - e ficarão - para a história como a banda que levou a Creation à falência. Outras optaram por uma outra via, como os Ride, que se aninharam junto da britpop (que havia aniquilado o shoegaze duas décadas antes) e reescreveram a sua própria história. Os Slowdive e os Lush preferiram fazer a festa como se fosse 1993, os primeiros tendo tido melhor sorte que os segundos, já que beneficiaram da boa imprensa que passou a rodear Souvlaki.
Dos demais, nem palavra: os A.R. Kane, para muitos os "pais" de toda esta geração feita de feedback e sonhos pop, reuniram-se no ano passado para que cerca de 200 pessoas em todo o mundo voltassem a ouvir "A Love From Outer Space". Os Pale Saints e os Boo Radleys foram academicamente avaliados como monólitos, parte fulcral de uma era longínqua mas hoje nada mais que peça de museu. Dos Catherine Wheel, Curve ou Chapterhouse já poucos, ou nenhuns, se recordam. O mesmo para os Secret Shine, mas de forma distinta: quando eles regressaram, em 2004, já havia um público que começava a sintonizar os novos sons gaze, inserindo prefixos vindos do latim e louvando artistas como Radio Dept., My Vitriol, Autolux ou Blonde Redhead.
Porque não tiveram os Secret Shine o mesmo respeito que os seus pares? Talvez porque nunca tenham sido shoegaze, no sentido tribal da palavra. Formado em 1991, o grupo esteve sempre mais perto da pop delicodoce dos camaradas da Sarah Records (por quem assinaram), mesmo que no papel a sua versão desta mesma pop fosse corroída por camadas de dissonância e ruído. Ouça-se "Temporal", por exemplo, presente em Untouched, álbum de estreia: o avião desloca sem vergonha para o país dos Cocteau Twins, guitarras bramindo ao alto e versos absolutamente imperceptíveis - mas delicados - a dar as boas-vindas ao vôo. Fossem os Secret Shine shoegaze e "Temporal" seria certamente considerada, hoje em dia, como uma das dez melhores canções de sempre do género (e esta avaliação é feita da forma mais humilde possível).
Por não serem shoegaze, não beneficiaram da reentrada deste no círculo indie: não fizeram grandes digressões, não tocaram nos Primaveras desta vida, os discos - quatro, desde 2004 - passaram ao lado dos blogues e publicações musicais, tanto as de maior como de menor importância. São um artefacto curioso, já que voltaram a disputar a maratona inicial mas perderam minutos para aqueles que se puseram à beira da estrada, de dedo esticado, pedindo boleia. E nem sequer se vitimizaram. Nesse sentido, ouvir os Secret Shine hoje em dia é como ganhar um troféu para o maior fair-play; não irão nunca ser campeões, mas como não apreciar um bom underdog?
Se merecem ser campeões, é uma história diferente. Porque basta ouvir There Is Only Now - que no contexto Retromaníaco quase soa a um grito de rebeldia - para testemunhar que os Secret Shine são tão bons, ou melhores, do que aqueles que fazem as delícias da subcultura pop. "Burning Stars", a abrir, apresenta-se em formato lume brando com o volume elevado a 11, os teclados e o ritmo não muito distantes de uns My Bloody Valentine mais terrenos. E o proto-pós-rock de "All In Your Head", logo a seguir, aumenta a batida cardíaca para níveis assustadoramente perigosos de paixão. Duas faixas depois a certeza só pode ser uma: os Secret Shine têm sido injustiçados como o caralho.
There Is Only Now é o som de uma banda que nunca teve paciência para se colocar debaixo dos holofotes, preferindo escrever o seu próprio destino sem ligar aos delírios de grandeza alheios. O que não quer dizer que não tenha ambição; a paleta de cores e sons que adoptaram em 1993 permanece, mas mais trabalhada, coesa. Quase como se quisessem fazer deste o seu último suspiro, antes de voltarem a desaparecer na escuridão. Por vezes, até parece estranhamente punk, propaganda pelo acto, algodão-doce escarrado na cara de todas as bandas que aproveitaram os últimos anos para voltar à ribalta. Nós já cá estávamos, lidem com isso, vendidos, pensaram.
Pensaram-no, mas sem arrogância: quem é que quer saber dos milhares de novos fãs, das dedicatórias em nicknames de Twitters e Tumblrs, dos festivais patrocinados a cerveja e telemóvel? Este é o som dos Secret Shine, selvagem, impossível de ser comprado, e tão belo como qualquer outro sonho alimentado a drogas psicadélicas e pedais de efeitos. O êxtase contido numa canção apenas: coloquem "To The Well" no volume máximo, deixem que o groove vos acaricie os ossos e, assim que rebentar o petardo noise (in)esperado, corram rumo a uma ravina de braços abertos. Não se admirem se conseguirem voar. Não haverá melhor manual de instruções para o fazer do que este disco.
Paulo CecÃlioO que não quer dizer que as bandas desse período, às quais foi colado este rótulo indigente e condescendente, não tivessem qualidade. E muitas delas foram sabendo alimentar os seus próprios mitos para voltarem a respirar no novo milénio: os My Bloody Valentine, por exemplo, que ficaram - e ficarão - para a história como a banda que levou a Creation à falência. Outras optaram por uma outra via, como os Ride, que se aninharam junto da britpop (que havia aniquilado o shoegaze duas décadas antes) e reescreveram a sua própria história. Os Slowdive e os Lush preferiram fazer a festa como se fosse 1993, os primeiros tendo tido melhor sorte que os segundos, já que beneficiaram da boa imprensa que passou a rodear Souvlaki.
Dos demais, nem palavra: os A.R. Kane, para muitos os "pais" de toda esta geração feita de feedback e sonhos pop, reuniram-se no ano passado para que cerca de 200 pessoas em todo o mundo voltassem a ouvir "A Love From Outer Space". Os Pale Saints e os Boo Radleys foram academicamente avaliados como monólitos, parte fulcral de uma era longínqua mas hoje nada mais que peça de museu. Dos Catherine Wheel, Curve ou Chapterhouse já poucos, ou nenhuns, se recordam. O mesmo para os Secret Shine, mas de forma distinta: quando eles regressaram, em 2004, já havia um público que começava a sintonizar os novos sons gaze, inserindo prefixos vindos do latim e louvando artistas como Radio Dept., My Vitriol, Autolux ou Blonde Redhead.
Porque não tiveram os Secret Shine o mesmo respeito que os seus pares? Talvez porque nunca tenham sido shoegaze, no sentido tribal da palavra. Formado em 1991, o grupo esteve sempre mais perto da pop delicodoce dos camaradas da Sarah Records (por quem assinaram), mesmo que no papel a sua versão desta mesma pop fosse corroída por camadas de dissonância e ruído. Ouça-se "Temporal", por exemplo, presente em Untouched, álbum de estreia: o avião desloca sem vergonha para o país dos Cocteau Twins, guitarras bramindo ao alto e versos absolutamente imperceptíveis - mas delicados - a dar as boas-vindas ao vôo. Fossem os Secret Shine shoegaze e "Temporal" seria certamente considerada, hoje em dia, como uma das dez melhores canções de sempre do género (e esta avaliação é feita da forma mais humilde possível).
Por não serem shoegaze, não beneficiaram da reentrada deste no círculo indie: não fizeram grandes digressões, não tocaram nos Primaveras desta vida, os discos - quatro, desde 2004 - passaram ao lado dos blogues e publicações musicais, tanto as de maior como de menor importância. São um artefacto curioso, já que voltaram a disputar a maratona inicial mas perderam minutos para aqueles que se puseram à beira da estrada, de dedo esticado, pedindo boleia. E nem sequer se vitimizaram. Nesse sentido, ouvir os Secret Shine hoje em dia é como ganhar um troféu para o maior fair-play; não irão nunca ser campeões, mas como não apreciar um bom underdog?
Se merecem ser campeões, é uma história diferente. Porque basta ouvir There Is Only Now - que no contexto Retromaníaco quase soa a um grito de rebeldia - para testemunhar que os Secret Shine são tão bons, ou melhores, do que aqueles que fazem as delícias da subcultura pop. "Burning Stars", a abrir, apresenta-se em formato lume brando com o volume elevado a 11, os teclados e o ritmo não muito distantes de uns My Bloody Valentine mais terrenos. E o proto-pós-rock de "All In Your Head", logo a seguir, aumenta a batida cardíaca para níveis assustadoramente perigosos de paixão. Duas faixas depois a certeza só pode ser uma: os Secret Shine têm sido injustiçados como o caralho.
There Is Only Now é o som de uma banda que nunca teve paciência para se colocar debaixo dos holofotes, preferindo escrever o seu próprio destino sem ligar aos delírios de grandeza alheios. O que não quer dizer que não tenha ambição; a paleta de cores e sons que adoptaram em 1993 permanece, mas mais trabalhada, coesa. Quase como se quisessem fazer deste o seu último suspiro, antes de voltarem a desaparecer na escuridão. Por vezes, até parece estranhamente punk, propaganda pelo acto, algodão-doce escarrado na cara de todas as bandas que aproveitaram os últimos anos para voltar à ribalta. Nós já cá estávamos, lidem com isso, vendidos, pensaram.
Pensaram-no, mas sem arrogância: quem é que quer saber dos milhares de novos fãs, das dedicatórias em nicknames de Twitters e Tumblrs, dos festivais patrocinados a cerveja e telemóvel? Este é o som dos Secret Shine, selvagem, impossível de ser comprado, e tão belo como qualquer outro sonho alimentado a drogas psicadélicas e pedais de efeitos. O êxtase contido numa canção apenas: coloquem "To The Well" no volume máximo, deixem que o groove vos acaricie os ossos e, assim que rebentar o petardo noise (in)esperado, corram rumo a uma ravina de braços abertos. Não se admirem se conseguirem voar. Não haverá melhor manual de instruções para o fazer do que este disco.
pauloandrececilio@gmail.com
ÚLTIMOS DISCOS
ÚLTIMAS