DISCOS
Gileno Santana & Tuniko Goulart
Inevitável
· 13 Set 2016 · 14:04 ·
Gileno Santana & Tuniko Goulart
Inevitável
2016
Caligola
Gileno Santana & Tuniko Goulart
Inevitável
2016
Caligola
Mais choro.
O trompetista Gileno Santana tem-se notabilizado na cena jazz nacional. Chegou ao Porto aos 18 anos, oriundo de Salvador da Bahia, e afirmou-se rapidamente como notável instrumentista, tendo garantido um lugar na excelente Orquestra Jazz de Matosinhos. Ainda no campo do jazz, vem desenvolvendo um percurso sólido como líder, tendo editado no ano passado o óptimo disco Metamorphosis, edição da italiana Caligola Records. Este novo disco também é editado na label italiana, mas é significativamente diferente. Neste novo projecto Gileno trabalha um duo com o guitarrista Tuniko Goulart (também brasileiro, também residente em Portugal há largos anos) focando a sua atenção na essência da música popular brasileira: choro e samba.

Este disco tem logo à partida dois problemas difíceis de contornar: cada música é antecedida por uma breve apresentação, por parte dos músicos, como se estivéssemos a ouvir um programa de rádio. Se a intenção dos músicos seria simpática, com o objectivo de contextualizar, acaba por desconcentrar a audição pura da música: mesmo que o ouvinte se deixe levar pela beleza de cada tema, leva sempre com uma interrupção brusca entre cada tema. A capa do disco também não favorece o disco, demasiado colorida, com os clichés habituais: uma floresta envolvente, os músicos no meio da natureza, pássaros que voam, um tucano em destaque, o mapa do Brasil em fundo. É pena, porque a música do duo foge à banalidade.

Para lá destes factores de distração, há aqui algo muito rico: Santana e Goulart trabalham uma viagem profunda às raízes da música brasileira, numa homenagem simples e pura à tradição brasileira. A dupla acaba por fazer algo próximo daquilo que Paulinho da Viola vem fazendo há décadas: produzir música original focando a atenção no samba (e chorinho) clássico, mostrando-o, na sua pureza, ao mundo. Descontando as introduções, este disco conta com dez músicas. As três primeiras são versões, as restantes sete são todas originais; a dupla mostra-se capaz de criar música nova a soar a antiga, sendo original e respeitando a tradição. No fundo as composições originais (a maioria de Santana) funcionam como réplicas de clássicos, mimetizam características de velhos temas.

O som quente do trompete de Gileno valoriza cada melodia, engrandece cada tema. A guitarra de Tuniko, sempre presente, estabelece a matriz rítmica e complementa o trompete, num trabalho sóbrio e irrepreensível. Trompete e guitarra dialogam com elegância, cumprindo a tarefa e expor a matriz sentimental de cada tema, sem virtuosismo desnecessário. Aqui Gileno Santana não exibe a exuberante imaginação solística da vertente jazz, mas trabalha uma interpretação calorosa (e tecnicamente impecável). E Tuniko Goulart é um parceiro perfeito para a comunicação instrumental, meticuloso, preciso.

Entre o dramatismo do samba-canção “Anjo da Guarda”, a doçura de “Dorme Neném” ou a vertigem de “Malaco” (um animado choro do malandro), viaja-se por uma recriada história da música brasileira. Esqueçam as introduções e a capa. Esta música é simples e bela.
Nuno Catarino
nunocatarino@gmail.com

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