DISCOS
Kygo
Cloud Nine
· 08 Set 2016 · 10:47 ·
Kygo
Cloud Nine
2016
Sonic Music


Sítios oficiais:
- Kygo
Kygo
Cloud Nine
2016
Sonic Music


Sítios oficiais:
- Kygo
Com umas pedrinhas de gelo
Falemos de álcool. Consumido de forma moderada, o álcool tanto pode ser um escape temporário a uma qualquer situação que nos aflige, como pode ser o acompanhamento ideal de uma tarde ou serão mais animados. E o álcool, como sabemos, pode chegar até nós de diversas maneiras: na cerveja, no whiskey, no gin, na tequila, no absinto, na vodka, e em muitas outras bebidas com maior ou menor impacto nos neurónios e no corpo.

É precisamente esse impacto que leva muita gente a tentar refrear o poderio do álcool. Há quem só beba o seu whiskey com uma ou outra pedra de gelo, ou mesmo misturando-o com água fresca. Há quem só aguente o sabor da vodka com sumo de laranja ou de limão. Há quem prefira cervejas artesanais por oposição às industriais. Há quem engula gin recorrendo a água tónica, bagas de zimbro, e outras mariquices que tais... Não querendo subestimar, de todo, este elemento tantas vezes vital.

Ora, tal como acontece no álcool, isto também acontece na música. Veja-se o caso do house. O género, nascido nos anos 70 e 80, construído por e para negros, latinos ou gays, só começou a ser verdadeiramente popular - isto é, tragado - assim que começou a ser servido em doses mais suaves a gerações de putos brancos e heterossexuais, perdendo o seu arrojo inicial para os topes pop da MTV. Traduzido por miúdos: tornou-se um panaché. E um panaché, nos dias de maior calor, até nos pode saciar; mas não é nada comparado com o seu irmão mais "puro".

O chamado tropical house, a mais recente modinha Spotify da qual Kygo parece ser um dos nomes mais "sonantes", onde as batidas se misturam com o efeito tropical das Baleares e o carácter simplista da pop, é um desses panachés, ou qualquer outro cocktail mais frutuoso e menos directo. Não nos irá deixar completamente derreados com uma ressaca do outro mundo. Mas irá - porque tem sabor - proporcionar um ou dois momentos mais agradáveis durante os verões que nos esperam. Ouça-se Cloud Nine, o álbum de estreia do norueguês, e isto é facilmente perceptível; o que há de eco house é apenas um singelo bloco de Lego, preferindo a música espalhar-se pelo corpo como um banho fresco. Em vez de nos fazer suar, como os velhos clássicos.

Se tal constitui uma afronta às suas origens, só os puristas saberão dizê-lo ou explicá-lo. O que é certo é que apesar de algum lixo que por aqui circula - a xaroposa "Happy Birthday", por exemplo -, há boas pérolas pop com as quais poderemos ocupar o nosso 2016, deixando a (boa?) música para depois. "Stole The Show" é um exemplo disso; é canção para anúncios vários com jovenzinhos modernos vestindo diferentes graus de roupa, mas é estupidamente boa na mesma medida, porque não pretende ser mais do que isso, confortável que está com o seu estatuto passageiro. Em 2017, ninguém se lembrará dela.

Tal como não nos lembraremos de "Firestone", que misturou a rave com tanta coisa dento de um mesmo copo que quase nem nos apercebemos de que sim, é inspirada pelo movimento e pela sonoridade. Fora dos singles mais directos, há "Oasis", que poderia ter saído de um álbum dos Saint Étienne, e o dedilhar suave de "Fiction" e "Raging" a permitirem espaço para respirar. Cloud Nine não ficará para a história, mas é precisamente este carácter temporário que faz dele um belo disco - sem balofice ou monotonia. Tal como uma tarde de verão passada a beber com amigos. Bota abaixo.
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com

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