DISCOS
V/A
Thisco:Thiscology
· 22 Abr 2004 · 08:00 ·

V/A
Thisco:Thiscology
2004
Thisco
Sítios oficiais:
- Thisco
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2004
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A compilação de uma editora é sempre uma boa forma de reunir as pérolas e os despojos à superfície ou no fundo do catálogo. Dar a conhecer os trunfos num único investimento para o bolso dos compradores. Uma oportunidade de conhecer, de uma assentada, as diversas propostas que alinham segundo o espírito da casa. É, no fundo, um modo barato de ficar com uma amostra representativa das bandas e despertar interesse por uma ou outra para se investir a médio prazo. É a economia, estúpido!
Thisco:Thiscology é uma porta de entrada para o que se vai fazendo de mais interessante na electrónica portuguesa. É, então, a etiqueta Thisco ainda a legislar, lançando às ventas das donzelas do top material facilmente exportável. Tudo isto é gente prenha de vontade de fazer sem que tenha de acontecer.
Entra shhh… com “Mathematics”, a voz masculina a penetrar secções ásperas. Um contínuo de som pontuado por rasganços suaves num rendilhado impassível. E uma citação de John Cage, em tradução livre: “Qual é o propósito de escrever música? Um é, claro está, não lidar com propósitos mas com sons.” Por isso, é romper com o discurso bafiento e escutar a entrada refrescante da praxe. Um bom isco, este.
De início planante, a chutar para paisagens lunares, e seguido de crispações de ritmo e assaltos mais orgânicos a partir a loiça, é o projecto Oxygen com “Art_tificial” em representação. Metais transpirados, cirurgicamente atravessados por blips (esta tem de pegar), eco a polvilhar o prato e ruídos fugidios que se perpetuam quase até ao final. Há ainda as partículas sobrepostas e um caos silencioso, em combustões lentinhas de um certo arremesso lounge de cabeceira, talhado para um domingo de manhã.
Flat Opak é engraçado em live set, como tivemos a oportunidade de conferir no Bar Bicaense há uns tempos. Em disco, na saliência “American Plan of a Western Fight With No Arms”, é o jogo da apanhada, secundado por uma inflexão sibilante e um ligeiro declive para intensificar a malha sonora. É também o jogo do empurra com a reposição de sons anteriores e a entrada de novos. Quem conhece há-de concordar que parecem sons captados de uma perseguição no espaço sideral. Como um complexo ritmado, que não precisa de rede para se impor. E há ainda tempo para ouvir anticorpos metalizados lá para o final da faixa. Miguel Seixas diz que, ao criar esta música, se deixou influenciar por um cenário do submundo, onde crianças indefesas são molestadas secreta e silenciosamente. Assegura que não foram usadas drogas na composição e esclarece que este é também o título de um quadro da sua autoria.
Com Headshot e “Bright” é suspense a conta-gotas, como um relógio de areia a discorrer partículas lânguidas, que se esgueiram pelas paredes até chocarem contra o portão de um templo. Sons de dispersão intelectual, para ouvir às tantas da madrugada, vencidos pelo cansaço. Movimentos de sucção a fazer lembrar o arranque do disco A Chance to Cut Is a Chance to Cure dos Matmos, com os ruídos verdadeiros de uma lipoaspiração, e que se prolongam até ao término da composição. Produz uma atmosfera relaxante para descomprimir. A partir do meio, há uma condensação de experiências a saturar a tela de criação, mas longe da anarquia de laptops sem governo. Aqui é tudo controlado e a entrar no timing correcto.
“Akuma” do projecto Rasal.A’sad começa com um teclado lynchiano, um silêncio curto, numa electrónica que usa pantufas mas que é surpreendida a meio do caminho. Vocábulos estranhos ecoam como numa câmara de gás.
Acompanha-se os passos do carrasco e do condenado através dos corredores até à sala da morte. Há ali uma voz masculina, próxima do registo de reverendo ancião. E depois um retorno das palavras numa mensagem repetida. Procura-se o Santo Graal de qualquer coisa, numa demanda do apocalipse. Percebe-se um sinistro serpentear de sons, assim mesmo a provocar a aliteração.
A Teia induz uma sirene aguda na sua “Asfixia”, sons de inversão de marcha, repostos até verterem os gemidos e os rugidos da besta. Ouve-se um choro de bebé e subitamente estamos em missão de alto risco, com um alarme insistente a soar e a premonição de um fim próximo. A estrutura é simples, repete as linhas do início, acrescentando alguns pontos para fazer parágrafo. As premissas são repostas até à náusea, à asfixia, claro está. Um som final agudo, ininterrupto e perturbador.
Lascas de electrónica e uma melodia envergonhada, atravessada por sons obturados, desviantes, marcam o início de “Symbolic Directions in Modern Toxicity” do projecto Low Pressure System. Um ritmo cadenciado, a cidade em câmara lenta, arrastada, e as pessoas como autómatos, quinquilharia anti-acústica. Círculos de som com propagação de ondas digitais.
“Axis Mundi” de Mikroben Krieg fala de terra inóspita, ventos do deserto, apoiada em texturas medonhas, numa voz feminina sussurrada a puxar-nos para o buraco negro. A respiração é ofegante, decididamente pós-coital. Ouvem-se estalinhos herméticos, vêem-se jogos de sombras, como o coaxar de uma rã numa pista de dança. Tem planos fixos e indicativos com registo masculino. Torna-se tudo mais denso lá para o final, a provocar vertigem. Há palpitações nervosas, corpúsculos de som excitados e radiações. Percebem-se esquissos breves de herança da música do Médio Oriente. É um animal híbrido. Nas liner notes lê-se “concrete/digital osmosis”. É isso.
Em “At the Gate” há o vocoder num techno macroscópico, assinado por Sciencia. Detalhes sonoros ligeiros postos a reagir com esculturas de ritmo, arranjinhos metálicos. Este é o tema mais groovy do disco. Há, mais uma vez, padrões reinvestidos ao longo da faixa, assobios contra paredes de alumínio, uma crepitação swingante, dançável. É também o mais consumível do disco. Subitamente, percebem-se perseguições etéreas, patrulhas no espaço. Depois, há um fim abrupto sem se libertar a tempo e progressivamente dos elementos que transportava.
O “Memorial” de In Tempus tem um início majestoso, a apontar para a frente. As cordas submetidas a liftings de estúdio dizem um poema beat. Notam-se semelhanças com os Mão Morta, é uma neo-qualquer coisa, um Adolfo Luxúria Canibal dos sintetizadores. David Reis explica que In Tempus era uma antiga ordem druídica que apelava ao uso dos sentidos e à conservação da Natureza num estado primordial.
Tudo isto é para ouvir sem complexos mas, sobretudo, sem o insuportável rosário das carpideiras alminhas que pensam que tudo é mau no país dos poetas. Se fosse para desancar também por aqui estaríamos, mas é mesmo para degustar com apetite de cavalo. E nada disto é fado.
Hélder GomesThisco:Thiscology é uma porta de entrada para o que se vai fazendo de mais interessante na electrónica portuguesa. É, então, a etiqueta Thisco ainda a legislar, lançando às ventas das donzelas do top material facilmente exportável. Tudo isto é gente prenha de vontade de fazer sem que tenha de acontecer.
Entra shhh… com “Mathematics”, a voz masculina a penetrar secções ásperas. Um contínuo de som pontuado por rasganços suaves num rendilhado impassível. E uma citação de John Cage, em tradução livre: “Qual é o propósito de escrever música? Um é, claro está, não lidar com propósitos mas com sons.” Por isso, é romper com o discurso bafiento e escutar a entrada refrescante da praxe. Um bom isco, este.
De início planante, a chutar para paisagens lunares, e seguido de crispações de ritmo e assaltos mais orgânicos a partir a loiça, é o projecto Oxygen com “Art_tificial” em representação. Metais transpirados, cirurgicamente atravessados por blips (esta tem de pegar), eco a polvilhar o prato e ruídos fugidios que se perpetuam quase até ao final. Há ainda as partículas sobrepostas e um caos silencioso, em combustões lentinhas de um certo arremesso lounge de cabeceira, talhado para um domingo de manhã.
Flat Opak é engraçado em live set, como tivemos a oportunidade de conferir no Bar Bicaense há uns tempos. Em disco, na saliência “American Plan of a Western Fight With No Arms”, é o jogo da apanhada, secundado por uma inflexão sibilante e um ligeiro declive para intensificar a malha sonora. É também o jogo do empurra com a reposição de sons anteriores e a entrada de novos. Quem conhece há-de concordar que parecem sons captados de uma perseguição no espaço sideral. Como um complexo ritmado, que não precisa de rede para se impor. E há ainda tempo para ouvir anticorpos metalizados lá para o final da faixa. Miguel Seixas diz que, ao criar esta música, se deixou influenciar por um cenário do submundo, onde crianças indefesas são molestadas secreta e silenciosamente. Assegura que não foram usadas drogas na composição e esclarece que este é também o título de um quadro da sua autoria.
Com Headshot e “Bright” é suspense a conta-gotas, como um relógio de areia a discorrer partículas lânguidas, que se esgueiram pelas paredes até chocarem contra o portão de um templo. Sons de dispersão intelectual, para ouvir às tantas da madrugada, vencidos pelo cansaço. Movimentos de sucção a fazer lembrar o arranque do disco A Chance to Cut Is a Chance to Cure dos Matmos, com os ruídos verdadeiros de uma lipoaspiração, e que se prolongam até ao término da composição. Produz uma atmosfera relaxante para descomprimir. A partir do meio, há uma condensação de experiências a saturar a tela de criação, mas longe da anarquia de laptops sem governo. Aqui é tudo controlado e a entrar no timing correcto.
“Akuma” do projecto Rasal.A’sad começa com um teclado lynchiano, um silêncio curto, numa electrónica que usa pantufas mas que é surpreendida a meio do caminho. Vocábulos estranhos ecoam como numa câmara de gás.
Acompanha-se os passos do carrasco e do condenado através dos corredores até à sala da morte. Há ali uma voz masculina, próxima do registo de reverendo ancião. E depois um retorno das palavras numa mensagem repetida. Procura-se o Santo Graal de qualquer coisa, numa demanda do apocalipse. Percebe-se um sinistro serpentear de sons, assim mesmo a provocar a aliteração.
A Teia induz uma sirene aguda na sua “Asfixia”, sons de inversão de marcha, repostos até verterem os gemidos e os rugidos da besta. Ouve-se um choro de bebé e subitamente estamos em missão de alto risco, com um alarme insistente a soar e a premonição de um fim próximo. A estrutura é simples, repete as linhas do início, acrescentando alguns pontos para fazer parágrafo. As premissas são repostas até à náusea, à asfixia, claro está. Um som final agudo, ininterrupto e perturbador.
Lascas de electrónica e uma melodia envergonhada, atravessada por sons obturados, desviantes, marcam o início de “Symbolic Directions in Modern Toxicity” do projecto Low Pressure System. Um ritmo cadenciado, a cidade em câmara lenta, arrastada, e as pessoas como autómatos, quinquilharia anti-acústica. Círculos de som com propagação de ondas digitais.
“Axis Mundi” de Mikroben Krieg fala de terra inóspita, ventos do deserto, apoiada em texturas medonhas, numa voz feminina sussurrada a puxar-nos para o buraco negro. A respiração é ofegante, decididamente pós-coital. Ouvem-se estalinhos herméticos, vêem-se jogos de sombras, como o coaxar de uma rã numa pista de dança. Tem planos fixos e indicativos com registo masculino. Torna-se tudo mais denso lá para o final, a provocar vertigem. Há palpitações nervosas, corpúsculos de som excitados e radiações. Percebem-se esquissos breves de herança da música do Médio Oriente. É um animal híbrido. Nas liner notes lê-se “concrete/digital osmosis”. É isso.
Em “At the Gate” há o vocoder num techno macroscópico, assinado por Sciencia. Detalhes sonoros ligeiros postos a reagir com esculturas de ritmo, arranjinhos metálicos. Este é o tema mais groovy do disco. Há, mais uma vez, padrões reinvestidos ao longo da faixa, assobios contra paredes de alumínio, uma crepitação swingante, dançável. É também o mais consumível do disco. Subitamente, percebem-se perseguições etéreas, patrulhas no espaço. Depois, há um fim abrupto sem se libertar a tempo e progressivamente dos elementos que transportava.
O “Memorial” de In Tempus tem um início majestoso, a apontar para a frente. As cordas submetidas a liftings de estúdio dizem um poema beat. Notam-se semelhanças com os Mão Morta, é uma neo-qualquer coisa, um Adolfo Luxúria Canibal dos sintetizadores. David Reis explica que In Tempus era uma antiga ordem druídica que apelava ao uso dos sentidos e à conservação da Natureza num estado primordial.
Tudo isto é para ouvir sem complexos mas, sobretudo, sem o insuportável rosário das carpideiras alminhas que pensam que tudo é mau no país dos poetas. Se fosse para desancar também por aqui estaríamos, mas é mesmo para degustar com apetite de cavalo. E nada disto é fado.
hefgomes@gmail.com
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