DISCOS
Juçara Marçal & Cadu Tenório
Anganga
· 08 Jan 2016 · 11:22 ·
Juçara Marçal & Cadu Tenório
Anganga
QTV Label
Sinewave
Sítios oficiais:
- Sinewave
Anganga
QTV Label
Sinewave
Sítios oficiais:
- Sinewave
Juçara Marçal & Cadu Tenório
Anganga
QTV Label
Sinewave
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- Sinewave
Anganga
QTV Label
Sinewave
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O trabalho (não) liberta.
Para que melhor possamos compreender Anganga, teremos de em primeiro lugar explicar de onde vem. Do Brasil, é certo, mas de um Brasil onde o modernismo e a experimentação se fundem com o tradicional, à semelhança das vozes que, em Portugal, lustram o velho e devolvem o futuro: Ermo e MEDEIROS/LUCAS à cabeça. Anganga é uma colaboração entre a magnífica Juçara Marçal e o produtor Cadu Tenório, um disco que alia passagens instrumentais a roçar o noise a uma colecção de vissungos. E isto que é? A Wikipedia ajuda: « música de caráter responsorial praticada por escravos africanos, utilizados nas lavras de diamantes e ouro (...) no estado de Minas Gerais».
Marçal, que para além de ser uma das melhores vozes saídas da música brasileira em muito tempo (Encarnado é daqueles discos que numa era de satisfação instantânea pastilha-elástica soa a clássico) é, ela própria, estudiosa deste género de música, encontra-se aqui como peixe na água. Ou talvez não peixe, mas tubarão. Basta pegar em "Eká", primeira faixa do disco, e sentirmos na espinha o terror do grito sofrido e sofrendo - agonia espiritual transformada em canto ou o inverso - com um trovão soando por detrás. Porque o trabalho, sabemo-lo, não liberta; escraviza.
É certo que mesmo sem qualquer instrumental a ajudá-los, tais cantos seriam, só por si, um disco tremendo; aliados a esta ânsia pelo ruído, temos perante nós um disco duas vezes negro, de raiz e de disposição. A voz de um povo escravo que o tempo parece esquecer mas que o futuro (não) quererá libertar da memória. Por vezes, há uma toada maternal presente no tom com que Juçara se atira a estes cantos, como aquele da segunda faixa; uma toada que logo depois se dissipa no ambiente lúgubre confeccionado por Cadu Tenório, pautado por descargas eléctricas aqui e ali.
Ao longo de oito temas, Anganga apresenta-se como um registo sonoro impressionante, fruto da ideia de não deixar cair no esquecimento estes cantos, dando-lhes uma roupagem arrojada e que, certamente, estará mais perto do seu intuito original que qualquer outra abordagem; trabalho forçado e noise são parentes da mesma violência, afinal de contas. Enquanto portugueses, talvez não consigamos compreender exactamente toda a bagagem histórica de Anganga; enquanto cidadãos do mundo - e escravos - compreendemo-la demasiado bem. Enquanto melómanos? Só nos salta à vista a sua genialidade.
Paulo CecÃlioMarçal, que para além de ser uma das melhores vozes saídas da música brasileira em muito tempo (Encarnado é daqueles discos que numa era de satisfação instantânea pastilha-elástica soa a clássico) é, ela própria, estudiosa deste género de música, encontra-se aqui como peixe na água. Ou talvez não peixe, mas tubarão. Basta pegar em "Eká", primeira faixa do disco, e sentirmos na espinha o terror do grito sofrido e sofrendo - agonia espiritual transformada em canto ou o inverso - com um trovão soando por detrás. Porque o trabalho, sabemo-lo, não liberta; escraviza.
É certo que mesmo sem qualquer instrumental a ajudá-los, tais cantos seriam, só por si, um disco tremendo; aliados a esta ânsia pelo ruído, temos perante nós um disco duas vezes negro, de raiz e de disposição. A voz de um povo escravo que o tempo parece esquecer mas que o futuro (não) quererá libertar da memória. Por vezes, há uma toada maternal presente no tom com que Juçara se atira a estes cantos, como aquele da segunda faixa; uma toada que logo depois se dissipa no ambiente lúgubre confeccionado por Cadu Tenório, pautado por descargas eléctricas aqui e ali.
Ao longo de oito temas, Anganga apresenta-se como um registo sonoro impressionante, fruto da ideia de não deixar cair no esquecimento estes cantos, dando-lhes uma roupagem arrojada e que, certamente, estará mais perto do seu intuito original que qualquer outra abordagem; trabalho forçado e noise são parentes da mesma violência, afinal de contas. Enquanto portugueses, talvez não consigamos compreender exactamente toda a bagagem histórica de Anganga; enquanto cidadãos do mundo - e escravos - compreendemo-la demasiado bem. Enquanto melómanos? Só nos salta à vista a sua genialidade.
pauloandrececilio@gmail.com
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