DISCOS
Myrkur
M
· 14 Dez 2015 · 11:31 ·
Myrkur
M
2015
Relapse Records


Sítios oficiais:
- Myrkur
- Relapse Records
Myrkur
M
2015
Relapse Records


Sítios oficiais:
- Myrkur
- Relapse Records
O Black Metal é a minha vida?
I seek to be impeccable, and this can only be achieved through open-mindedness. This implies interests outside what is common in the above circles... Black Metal now makes ignorant and unconfident young people feel warm and cozy, and functions more as a crutch for individual weakness than anything else ~ Kristoffer Rygg, Ulver

Confessem: já tinham saudades de uma boa bronca. A poeira, por agora, assentou mais ou menos; mas, até Março, espera-se que ainda haja novas sessões de troca de insultos entre os verdadeiros e os hipsters, entre os auto-proclamados fiéis da cena e a juventude boa onda que defendem, com garras e dentes - e talvez facas, caso a ocasião a isso proporcione -, cada qual a sua senhora, a música. Os culpados: os Deafheaven e Myrkur, que virão a Portugal pela mão da Amplificasom, nomes do chamado "Novo Black Metal".

Mas o que é isto do Novo Black Metal, tag que alguma boa gente decidiu colar a ambos projectos (muitas vezes por pura preguiça)? Ninguém sabe. Assim como ninguém será capaz de definir o que é o Black Metal, pela simples razão de que o género é inclassificável. Uns vê-lo-ão um pouco como o punk: inúmeros estilos, inúmeras ideologias, guerras diversas onde entram actores diferentes. Outros olham para a Noruega e dizem: Lo-Fi, Lucifer-Fi, um ódio incomensurável pela humanidade. Tendo em conta a quantidade absurda de bandas que, desde os Venom, diz fazer black metal, tentar ditar as leis do género soa a tarefa árdua e irrelevante. E incoerente: o black metal é a expressão máxima de um indivíduo, é aquilo que ele quiser que o género seja - um individualismo que é o único ponto em comum entre todos.

Individualismo esse que tanto pode significar fazer as coisas à maneira antiga e cagar de alto no mainstream, como vir de um background ligado à moda e à música pop - como é o caso de Amalie Bruun, que é a mulher que (já) não se esconde atrás de Myrkur - e, num acesso de loucura eminentemente sã, decidir fazer black metal ou Novo Black Metal ou quejandos. Nesse sentido, criticar Myrkur por fazer aquilo que lhe apeteceu quando é esse o ethos do género é, de certa forma, estar a ir contra o género em si. Nada trve, portanto.

Mas percebe-se que a critiquem; Myrkur soa a uma tentativa desesperada e plastificada de fazer algo diferente, algo que não conseguiria, por exemplo, nos Ex Cops, outra das bandas onde participa. O plástico nunca foi - nem nunca haverá de ser, graças ao Bode - aceite em círculos black metal, onde a identidade é tudo e a verdade a ela se sobrepõe. Não é de agora; sempre foi assim e não existem grandes razões para mudar. Quando os Cradle Of Filth e os Dimmu Borgir aparecerem na MTV, não foram poucos aqueles que os catalogaram como mera piada (e com bastante razão). E quando a Pitchfork começou a dar atenção a coisas como os Wolves In The Throne Room, sucederam-se as críticas. «Black Metal Hipster? O horror! O horror!», bramiram centenas de Kurtzs alienados... Foda-se, até os Darkthrone foram alvo da sua fúria no momento em que decidiram ser "só" uma banda de rock n' roll.

A quote ali em cima não foi escolhida por acaso, já que Myrkur tem o apoio, ao que parece incondicional, dos gigantes Ulver - que não só lhe produziram o disco como ainda nele tocaram. Não parece que alguém no seu perfeito juízo tenha o discernimento de dizer dos Ulver que são sellouts - afinal de contas, são uma banda que nasceu no e do circuito norueguês e que, posteriormente, dedicou a sua carreira a fazer exactamente a música que queriam, ignorando quaisquer críticas com uma simples estalada no focinho. E Rygg tem razão; há muito black metal que se diz underground e que não passa de algo parolo e estanque, que acha que por "elitismo" se entende "não-evolução". No entanto, como não somos Cristo nem damos a outra face, devolvamo-lhes a estalada: não é por eles que M se tornará mais interessante, relevante, ou black metal sequer. É só mais uma xaropada sentimental que se diz negra, mas que transpira fofice por todos os poros - e se quisermos ouvir merdas "boa onda" e delicadas, das duas uma; ou enrolamos uns porrinhos ao som do muito e bom reggae que existe ou pegamos num álbum dos Cocteau Twins, que é o que Myrkur quereria ser se não fosse tão desprovida de talento...

Em suma: como álbum de black metal, M simplesmente não existe. A sua ligação ao género, tanto sonora como ideologicamente, é estupidamente ténue. Não é o rótulo de "Novo" que vai alterar o que seja, assim como não são as críticas que a impedirão de dizer barbaridades como a minha alma é black metal. Que até poderia muito bem ser se M não soasse a uma falsidade extrema, um disco feito por alguém que confunde ecletismo com salganhada, uma tentativa vã de ser "diferente" num mundo recheado de carneiros - que são tanto os trves como os hipsters. Como álbum pop? É menos mau, mas horrivelmente chato da mesma forma - coros, riffs aborrecidos, sintetizadores à procura do "ambiente" que acabam só por ser uma barrigada de sono. Falta-lhe ódio. Falta-lhe irreverência e caos. Falta-lhe algo que seja e soe radical na sua diferença (que não são esta espécie de dinâmica quiet-loud que encontramos, por exemplo, na "Hævnen", segundo tema do disco). Entre os críticos e os defensores quem é que tem, então, razão? Ninguém. Que se fodam ambos.
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com

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