DISCOS
Dead Prez
Lets Get Free
· 14 Mar 2004 · 08:00 ·
Dead Prez
Lets Get Free
2000
Relativity
Sítios oficiais:
- Dead Prez
Lets Get Free
2000
Relativity
Sítios oficiais:
- Dead Prez
Dead Prez
Lets Get Free
2000
Relativity
Sítios oficiais:
- Dead Prez
Lets Get Free
2000
Relativity
Sítios oficiais:
- Dead Prez
Nos serões de sábado no renovado canal 2, passa um magazine de cultura da cidade com incidência sobre a música, as artes plásticas, a banda desenhada e restantes formas de expressão e respiração da urbe. O Pop Up impressiona mais pelo tratamento jornalístico de excepção que dá a temas marginais do que pelo arranjo estético, que é interessante, e um apurado trabalho de investigação. Já era tempo de ver, por exemplo, o hip-hop ser tratado como um género estruturante em si mesmo, com ideias próprias e abordagens um pouco mais diversas do que os esvaziados de conteúdo “yo, mano!“ e "props para o pessoal”. É certo que passa entre o Zig Zag e o Clube da Europa, cerca das 20h30, mas é um esforço a louvar. Então, enquanto os canais privados em sinal aberto se dedicam a desfiar as suas estórias de faca e alguidar em prime time, a Dois trata o hip-hop como gente grande e não mais como um ente estranho, desprezado ou incompreendido por muitos.
O que nos traz até aos Dead Prez. Não porque tivessem tido espaço em qualquer das anteriores edições daquele magazine, mas porque representam uma das facções mais vivas do hip-hop politizado depois dos Public Enemy. E isso é importante: hip-hop executado por negros com os dentes cerrados, uma mão nos manuscritos de Malcolm X e a outra com o dedo do meio levantado ao sistema capitalista. O universo dos Dead Prez – atalho de língua para dead presidents – dista algumas milhas da cultura aproximada ao skateboarding dos Beastie Boys. É que, enquanto a pandilha de Nova Iorque, constituída por Mike D, MCA e King Ad-Rock, canta o gueto juvenil por um punhado de dólares, Stic.man e M-1 habituaram-se a explorar o lado negro da vida, ressuscitando a velha alma do espiritual negro por uns trocados.
O par de rappers da Florida não deixa os seus créditos pelas mãos dos algozes que lideram os destinos do mundo, porque a revolução não é televisionada e pede mais um verso urgente. Mesmo que o pacote de canções que constitui Lets Get Free não passe de um morteiro desorientado, de uma mão-cheia de tiros de pólvora seca, o que importa é que os Dead Prez não deixam as suas ideias em pousio para gerações forasteiras. O activismo social em proveito dos niggas traduzido em depoimentos inflamados de intenções, apontando o dedo à cara dos brancos estúpidos que empestam os centros de poder e decisão.
E denunciam as evidentes insuficiências do sistema de ensino público. Como em “They Schools”: "They seemed to only glorify the europeans/ Claimin africans were only three-fifths a human being (...) They schools can’t teach us shit/ My people need freedom, we tryin to get all we can get/ All my high school teachers can suck my dick". Ou em “Wolves”, onde falam com desencanto do imperialismo a que foram votados os seus antepassados, do colonialismo que os relegou para um espectro infra-humano. E, mais adiante, na faixa seguinte: "I’m an african, never was an african-american/ Blacker than black I take it back to my origin/ Same skin hated by the klansmen".
Escarafuncham tudo o que move e obrigam a pensar quem se faça acompanhar da faculdade plena de audição. A repressão burocrática e administrativa não foge ao alcance do radar com que varrem o planeta. “Police State” coloca os serviços de segurança em estado de sítio, reiterando que, enquanto for dominado por machos brancos, o mundo nunca será um local justo e as mulheres nunca serão respeitadas. Por detrás das linhas do inimigo, não é necessário estar fechado para se estar preso, porque "they put us in a box just like our life on the block". “Mind Sex” disserta sobre como fazer sexo é uma coisa mental antes de ser física. Antes de fazermos amor, vamos ter uma boa conversa, vamos falar de poesia e dos teus gostos, de metáforas do corpo, de incenso ardido. Não é preciso tirar já a roupa, vamos pensar a atracção de opostos, da proximidade de corpos e do toque da pele.
Os Dead Prez dizem-se tributários do legado do Black Panther Party for Self-Defense, partido fundado em 1966 em Oakland, na Califórnia, com ramificações noutros estados norte-americanos, e que foi alvo de sangrentos raides e detenções por parte das autoridades policiais. Filho da rua e de uma certa indigência iluminada, M-1 escapou a uma complicada querela com a droga e foi parar à Florida, onde conheceu Stic.man. Juntos, partiram numa digressão pelo país, unidos pelos laços do activismo globalizante. Mais tarde, decidiram-se pela música e por olhar mais pelo seu quintal.
Em termos estéticos, Lets Get Free solta uma ambiência refrescante, na dose certa de respiração para não deixar a mensagem saturar o destinatário. A mensagem pode ser política mas a embalagem é tudo menos enferma. Muito longe de ser um embuste ideológico, escrito para agradar a activistas saídos da puberdade, este disco sabe o que diz e como canta a dor e a repressão. Lets Get Free é o primeiro disco da formação, data de 2000 e sucede ao par de singles editados um e dois anos antes, “It’s Bigger Than Hip-Hop” e “Police State With Chairman Omali”, respectivamente. Depois de um ligeiro atrito com a etiqueta Loud, o duo regressa à militância desarmada com Turn Off the Radio: The Mixtape, Vol. 1, de 2002, e Get Free or Die Trying, em Outubro passado. Para o final deste mês está agendada a edição de RBG: Revolutionary But Gansta. Deverá ser para ouvir e tirar notas.
Hélder GomesO que nos traz até aos Dead Prez. Não porque tivessem tido espaço em qualquer das anteriores edições daquele magazine, mas porque representam uma das facções mais vivas do hip-hop politizado depois dos Public Enemy. E isso é importante: hip-hop executado por negros com os dentes cerrados, uma mão nos manuscritos de Malcolm X e a outra com o dedo do meio levantado ao sistema capitalista. O universo dos Dead Prez – atalho de língua para dead presidents – dista algumas milhas da cultura aproximada ao skateboarding dos Beastie Boys. É que, enquanto a pandilha de Nova Iorque, constituída por Mike D, MCA e King Ad-Rock, canta o gueto juvenil por um punhado de dólares, Stic.man e M-1 habituaram-se a explorar o lado negro da vida, ressuscitando a velha alma do espiritual negro por uns trocados.
O par de rappers da Florida não deixa os seus créditos pelas mãos dos algozes que lideram os destinos do mundo, porque a revolução não é televisionada e pede mais um verso urgente. Mesmo que o pacote de canções que constitui Lets Get Free não passe de um morteiro desorientado, de uma mão-cheia de tiros de pólvora seca, o que importa é que os Dead Prez não deixam as suas ideias em pousio para gerações forasteiras. O activismo social em proveito dos niggas traduzido em depoimentos inflamados de intenções, apontando o dedo à cara dos brancos estúpidos que empestam os centros de poder e decisão.
E denunciam as evidentes insuficiências do sistema de ensino público. Como em “They Schools”: "They seemed to only glorify the europeans/ Claimin africans were only three-fifths a human being (...) They schools can’t teach us shit/ My people need freedom, we tryin to get all we can get/ All my high school teachers can suck my dick". Ou em “Wolves”, onde falam com desencanto do imperialismo a que foram votados os seus antepassados, do colonialismo que os relegou para um espectro infra-humano. E, mais adiante, na faixa seguinte: "I’m an african, never was an african-american/ Blacker than black I take it back to my origin/ Same skin hated by the klansmen".
Escarafuncham tudo o que move e obrigam a pensar quem se faça acompanhar da faculdade plena de audição. A repressão burocrática e administrativa não foge ao alcance do radar com que varrem o planeta. “Police State” coloca os serviços de segurança em estado de sítio, reiterando que, enquanto for dominado por machos brancos, o mundo nunca será um local justo e as mulheres nunca serão respeitadas. Por detrás das linhas do inimigo, não é necessário estar fechado para se estar preso, porque "they put us in a box just like our life on the block". “Mind Sex” disserta sobre como fazer sexo é uma coisa mental antes de ser física. Antes de fazermos amor, vamos ter uma boa conversa, vamos falar de poesia e dos teus gostos, de metáforas do corpo, de incenso ardido. Não é preciso tirar já a roupa, vamos pensar a atracção de opostos, da proximidade de corpos e do toque da pele.
Os Dead Prez dizem-se tributários do legado do Black Panther Party for Self-Defense, partido fundado em 1966 em Oakland, na Califórnia, com ramificações noutros estados norte-americanos, e que foi alvo de sangrentos raides e detenções por parte das autoridades policiais. Filho da rua e de uma certa indigência iluminada, M-1 escapou a uma complicada querela com a droga e foi parar à Florida, onde conheceu Stic.man. Juntos, partiram numa digressão pelo país, unidos pelos laços do activismo globalizante. Mais tarde, decidiram-se pela música e por olhar mais pelo seu quintal.
Em termos estéticos, Lets Get Free solta uma ambiência refrescante, na dose certa de respiração para não deixar a mensagem saturar o destinatário. A mensagem pode ser política mas a embalagem é tudo menos enferma. Muito longe de ser um embuste ideológico, escrito para agradar a activistas saídos da puberdade, este disco sabe o que diz e como canta a dor e a repressão. Lets Get Free é o primeiro disco da formação, data de 2000 e sucede ao par de singles editados um e dois anos antes, “It’s Bigger Than Hip-Hop” e “Police State With Chairman Omali”, respectivamente. Depois de um ligeiro atrito com a etiqueta Loud, o duo regressa à militância desarmada com Turn Off the Radio: The Mixtape, Vol. 1, de 2002, e Get Free or Die Trying, em Outubro passado. Para o final deste mês está agendada a edição de RBG: Revolutionary But Gansta. Deverá ser para ouvir e tirar notas.
hefgomes@gmail.com
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