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Algiers
Algiers
· 29 Jun 2015 · 14:34 ·
Algiers
Algiers
2015
Matador


Sítios oficiais:
- Algiers
- Matador
Algiers
Algiers
2015
Matador


Sítios oficiais:
- Algiers
- Matador
Protestar é Fish(er)!
Um cliché bastante comum no mundo melómano, é considerer qualquer voz vinda de um intérprete negro como “soul”. Desde Otis Redding a Tunde Adebimpe (TV On The Radio). Ou mesmo qualquer cantor branco que cante como se ACHA que os cantores soul negros do passado cantavam. Uma razão para evitar esse cliché, no caso dos Algiers, é porque as influências do seu vocalista, Franklin James Fisher, parecem situar-se mais no campo do gospel, e das canções de trabalho, ou de prisioneiros, que antecederam muitos desses outros géneros musicais. E outra razão, porventura ainda mais importante, é que a música dos Algiers não tem absolutamente nada que nos faça chamar-lhe “retro”. No lugar de quaisquer arranjos que possam ser considerados vintage (outra palavra muito mal tratada), Fisher e colegas colocam guitarras que desferem golpes profundos e repentinos de distorção e ruído, baixos, pianos e orgãos, e drum machines em diferentes combinações.

As diferenças também não se ficam por aqui. Algiers é um disco desprovido de canções românticas. “Protesto” é a palavra de ordem. E, nesse prisma, será mais apropriado colocá-lo ao lado do fantástico To Pimp A Butterfly, de Kendrick Lamar, dentro das edições datadas de 2015. Sim, Fisher tem um “vozeirão”, e usa-o para denunciar injustiças sociais, alienação (“There’s a brand new show / For you to watch today / So all the western eyes / Can look the other way”), falta de convicções (“We’ll put our faith into Afro Pop / In a decolonized context”), e as hipocrisias de politicos e líderes religiosos. O uso de samples, que não se distinguem das vozes de apoio, ajuda a criar uma atmosfera de convenção, onde se discutem formas de luta. Mas é sobretudo o vibrar da guitarra de Lee Tesche, colocada em destaque, que leva a música dos Algiers até uma dimensão extra,quando conjugada com as exortações de Fisher.

Em canções de arranhar a garganta, e inchar ventrículos, como “Claudette”, “Blood”, ou “In Parallax”, Algiers merece claramente o rótulo “Conteúdo sob pressão”. Geralmente, o começo das faixas faz-se de uma espécie de “antevisão”, com menos elementos, e som mais espartano. Veja-se o orgão sinistro que inicia a sensacional “Irony Utility Pretext”, ataque distópico sobreposto a batida electro. Ou a percussão e palmas do princípio de “Remains”. Já outras músicas, como “But She Was Not Flying”, com pianadas ao estilo Bad Seeds velozes, ou a mais lenta “Games” (“We bury ourselves in our bottles / We bury ourselves in our bibles”) servem para demonstrar que este é um disco versátil, capaz de evitar riscos de unidimensionalidade. “In Parallax”, como não podia deixar de ser, acaba o disco em toada de gospel apocalíptico.

É cedo para dizer quais serão as “povoações” melómanas conquistadas pelo disco de estreia dos Algiers. Não se trata de dizer se se trata de um disco “fácil” ou “difícil”. Até porque, tirando os extremos dos extremos, quem sabe do que tratam tais nomenclaturas hoje em dia? Fischer, Tesche, e Ryan Mahan fizeram, sem qualquer dúvida, um disco extraordinário. Algiers tem sangue na guelra, nitroglicerina no motor, e convicção à prova de bala na voz. E para enfrentar o mundo, não está nada mal como “kit de sobrevivência”.
Nuno Proença
nunoproenca@gmail.com

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