Cada cabeça invocará uma imagem segundo a interpretação que saca da música. Funciona assim quando tem profundidade onírica. Quando constrói um universo específico em 3D e nos envolve, encanta e aterroriza ao mesmo tempo. Arrivals possuía essa particularidade: ser invocativo – instigar estados anímicos; confusos – maravilha e horror. Seis anos depois?

Even Temper tem o mesmo temperamento. Mas nem por isso estamos no mesmo lugar de Arrivals, onde, de certa forma, quatro paredes limitavam as ideias; limitavam deambulações mais arrojadas. Even Temper é a consequência de Gavin Miller e Thomas Ragsdale aventurarem-se para fora do quarto onde inicialmente se materializou o primeiro disco.

Temos densas atmosferas nocturnas. Obsessivas. Fumarentas. Temos estática de vinil para a preencher o vazio inteligente. House cavernoso; também se podendo chamar à coisa “drag” ou “witch House”. Acido 303 (quase) inerte, indicado a velhos ravers nostálgicos. Deambulações pelo intemporal kosmische alemão: num onirismo gerido com sobriedade.

E dado que o alinhamento deste disco não é assim tão expansionista – isto é um elogio à forma como tudo é cozinhado em medidas q.b. –, há dois momentos de forçoso destaque: “MV Joyita”, um exercício pop que permite imaginar o que seria Burial e David Sylvian a especular no mesmo estúdio; e o esplendoroso “Jaki”, que pode ser tanta coisa dos anos 90 – de ricas atmosferas liberais –, que “Last State of Nature” de Ian Simmonds não será um título a descartar nas referências das multivisões niilistas sonoras do futuro.

Uma coisa é certa: Even Temper, o segundo disco da obscura dupla britânica Worriedaboutsatan é um dos grandes segredos de 2015. É uma caixinha de mistérios. Tenta-nos o espírito, para o bom e para o mal. Seduz. Deprime. Apaixona. Obceca. Cada instante neste disco importa porque, subliminarmente, há algo nesta história que nos liga a sentimentos que valorizam o sentido da vida, e as reviravoltas idílicas e macabras inerentes. Fora das quatro paredes, os Worriedaboutsatan romantizam a vida como ela é: cheia de contrastes. Importante.