DISCOS
Áine O'Dwyer
Music For Church Cleaners Vol. I And II
· 07 Mai 2015 · 17:44 ·
Áine O'Dwyer
Music For Church Cleaners Vol. I And II
2015
MIE Music


Sítios oficiais:
- Áine O'Dwyer
- MIE Music
Áine O'Dwyer
Music For Church Cleaners Vol. I And II
2015
MIE Music


Sítios oficiais:
- Áine O'Dwyer
- MIE Music
Mais perto de Deus.
Por preconceito ou puro desconhecimento de causa, presta-se pouca atenção à música litúrgica. E à parte um ou outro festival, as sonoridades a que chamamos "medievais" passam ao lado de boa parte dos melómanos. Certo é que, nos últimos tempos, Jozef Van Wissem e o seu alaúde granjearam uma quantidade considerável de público afectuoso, e mesmo os Ermo têm uma certa qualidade eclesiástica - a rodos com a exaltação ou quase do pecado - que faz deles um caso muito sério dentro de um globo onde podemos enfiar a música experimental, mesmo que, nos bracarenses, essa liturgia se faça adaptada ao século XXI e não utilizando instrumentos mais antigos.

Entra em cena a irlandesa Áine O'Dwyer, harpista que em Music For Church Cleaners Vol. I And II decidiu adoptar o órgão como objecto musical primário, ou único, tendo gravado um punhado de excelentes canções em registo improvisacional. Originalmente dois volumes distintos, foram agora editados pela MIE Music num só álbum, cuja audição se estende a cerca de uma hora e meia mas que nunca se revela cansativo - bem pelo contrário, soa-nos ao que uma missa deveria soar sempre, caso se seja ateu: pacífica sem ser aborrecida, cativante sem ser estupidificante. Deus aqui não é um número, é O resultado. Na pop, são muitos os que falam do divino, mas poucos aqueles que conseguem traduzi-lo em som; antes de Áine, talvez só Jason Pierce.

Gravado num contexto semi-ao vivo, sendo que Áine O'Dwyer não actuou para ninguém em particular mas sim enquanto os visitantes se passeavam pela igreja anglicana de St. Mark, em Islington (Londres), e a mesma era sujeita a uma limpeza, Music For Church Cleaners não contém apenas a música que sai do órgão; ouvem-se vozes de crianças, ouvem-se passos, ouve-se até um aspirador e o diálogo interessantíssimo entre a artista e aquilo que se presume ser uma das funcionárias: «pode não manter apenas uma nota»? Parece paródia, mas é na verdade real, e é também isto que faz do álbum uma experiência sonora tão rica. É ao mesmo tempo um álbum de música litúrgica, mas também um field recording que capta um momento particular num determinado espaço.

Cada qual dos dezassete temas que compõem Music For Church Cleaners Vol. I And II foi improvisado, o que não significa que (outro preconceito em voga) não sejam dotados de uma enorme riqueza melódica, destacando-se a sombria "Pedal Danse" a abrir, bem como a simpática "The Chapel On The Hill", uma das mais curtas. Ao todo, noventa minutos em que quase que nos colocamos na cadeira da artista, nos transfiguramos e transformamos em Áine O'Dwyer, observamos e sentimos as interacções com o que a rodeia, seja humano ou instrumento. Num disco tão repleto de vida, difícil mesmo será continuar a não acreditar em Deus.
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com

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