DISCOS
Coelho Radioactivo
Canções Mortas
· 06 Jan 2015 · 10:02 ·
Coelho Radioactivo
Canções Mortas
2014
Gentle Records


Sítios oficiais:
- Coelho Radioactivo
- Gentle Records
Coelho Radioactivo
Canções Mortas
2014
Gentle Records


Sítios oficiais:
- Coelho Radioactivo
- Gentle Records
Não há cornos que marrem esta merda.
Sei bem de onde vens, Coelho. Foste maltratado, vilipendiado, rasgaste o chão de gatas à procura do inferno após te terem gamado o sol. Choraste, berraste, amaldiçoaste, escondeste a dor e a miséria nos acordes de uma guitarra e de duas mãos cheias de canções. É catártico, não é? Pois: eu sei bem de onde vens. Por vezes, sem ninguém me ver ou perceber, eu tentei o mesmo em duas mãos cheias de resenhas, com maior ou menor grau de dificuldade minha, com maior ou menor atenção alheia. Esse lugar de onde vieste já eu o calcorreei. Sei bem de onde vens, ó se sei.

Não se trata da eterna questão do corno, Coelho. É mesmo de se ser um enorme filho da puta. Atenção, que isto não é uma ofensa, que filhos da puta somos todos. Mas para explanar toda esta agonia é necessário um grau maior de filha da putice, alimentado por todas as boas memórias, mas sobretudo pelas más. Evidentemente - ou não seríamos filhos da puta, mas românticos inveterados. Ainda que, nesta questão, todo o filho da puta seja um romântico. É complicado, não é? Haja Canções Mortas que o descompliquem. Haja esse "Sangue", ameaça velada que se cheira à distância. Tu, no fundo, querias era ter escrito a "Prayer To God", dos Shellac, mas chegaste demasiado tarde. Sei bem de onde vens, Coelho.

E por já não poderes escrever o que quererias ter escrito, pensaste uma série de versos e colocaste-os, de forma quase automática, sob o signo da folk. A folk eterna, a que conta história. A folk daqueles discos que, como diz o Freitas, «de tanto o[s] amar[mos], [pegámos] no disco e [quebrámo-lo] em pequenos pedaços de vinil – para doerem mais, melhor». Todos os caminhos destas Canções folk vão, contudo, dar ao mesmo final: aquele em que concluímos que tanto tu como eu não passamos de uns belos filhos da puta. Ou julgavas que esta mesma resenha não era sinónimo disso? Sei bem de onde vens, Coelho. Sei-o ao ponto de saber o carinho que a bebida traz nestes momentos, essa mesma que hás-de ter tragado minutos após a entrevista ao Ípsilon, essa mesma que faz com que não seja só o piano de "Pistola" a ter bebido, nós os dois também.

É que, foda-se, sei tão bem de onde vens que Tu queres marcar um café / com gajos que eu não vejo há bué / mas eu só te queria ter dito / o que não disse e nunca mais falar contigo parece ter sido redigido de propósito, trocando "gajos" por "gajas", para que deste lado faça um pouquito mais de sentido. Sei tão bem de onde vens que também já tive uma tatuagem a mirar o suicídio como tu o tens na "Deito". Sei-o tão bem que estas Canções Mortas não são para serem ouvidas por qualquer um: o público-alvo tem que ser o mesmo que as gerou: esse filho da puta indizível que mora no desassossego dos perdões por dizer. Que nos ofendam como queiram, Coelho. Enquanto tivermos estas canções e a nossa filhadaputice, nunca nos conseguirão atingir mais do que já fomos.

[E - no entanto - O que me comove, passado tanto
tempo, é perceber que fiz a esse disco
o mesmo que faço e volto a fazer
aos corpos que julgo amar:

parti-los, muito devagar, para
que doam sempre um pouco mais
]
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com

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