DISCOS
Andy Stott
Faith In Strangers
· 17 Dez 2014 · 10:33 ·
Andy Stott
Faith In Strangers
2014
Modern Love


Sítios oficiais:
- Andy Stott
- Modern Love
Andy Stott
Faith In Strangers
2014
Modern Love


Sítios oficiais:
- Andy Stott
- Modern Love
Nas capas de Stott prevalece o cinzento. Mas de cinzento a sua música nada tem. Bem pelo contrário. Há ouro depois de soprada a cinza.
Andy Stott inscreveu a sua estreia no formato longa duração em 2006; Merciless apresentou-se como um incerto figurino estilístico onde o dub-techno (em conluio com a bass-music e um IDM algo datado) inconscientemente distorcia o caminho futuro. A edição de Unknown Exception, que compilava em 2008 algum do material editado em EP entre 2005 e 2008, demonstrou a dubiedade, que por sua vez espelhava a puerícia de Stott – alguma precipitação na edição de Merciless ou de Unknown Exception? A ambiguidade não favoreceu o produtor de Manchester que, intuitivamente, se reservou permitindo que o tempo interviesse na resolução da verticalidade conceptual da sua música. Fez uma curta travessia pelo deserto mas chegou a uma conclusão. Em três anos – quatro discretos EPs redigidos nesse entretanto – rematou a ambiguidade para o oblívio e conseguiu, de pés bem assentes no chão, imprimir singularidade na produção.

We Stay Together e Passed Me By foram o corolário do tempo despendido a esculpir a assinatura (uma deturpação romantizada do house, do techno, do dub, do ambient ou do industrial), que ganhou espessura quando em 2012 Luxury Problems surpreendeu pela maturidade das opções, que lhe permitiu coerentemente abraçar o passado – algo irregular – e projectar o futuro numa direcção ambiciosa – onde os maneirismos pop e soul adicionados se revelaram a um estrato fantasioso (que poderia viabilizar as pretensões dos Massive Attack caso se decidissem a compor um disco techno). O bater do coração de Stott prevaleceu sobre o puro pragmatismo, e o produtor só ganhou.

Faith In Strangers não dista de Luxury Problems por simples princípio. E como deveria? O disco de 2012 cimentou sólidos alicerces que só poderia permitir a erecção do edifício sonoro. Os dois discos não se decalcam. Ambos espelham o mesmo estado de espírito, expressam-se, no entanto, de outra forma, que dificulta a exacta descrição das verdadeiras diferenças materiais. Com Faith In Strangers não podemos perder tempo com as minudências técnicas, a proficiência da produção. Tudo se joga num estrato sensorial. Há gosto, há paixão no sóbrio veículo techno em slow-motion que arrasta a pop sombria – que a nostálgica voz de Alison Skidmore corporiza uma vez mais –, a excelência ambientalista Eno/ Aphex Twin/ The Future Sound of London, a distorção surrealista drum n’ bass de Squarepusher (dos anos 90) ou as reminiscências (na verdade, as mais deslumbrantes assombrações) do pós-rave que se confortou nas ideológicas chill out rooms.

Mas Faith In Strangers consegue um pouco mais – nunca se prestando ao preenchimento de qualquer caderno de encargos que a moda exige para que tudo faça sentido; à semelhança de Burial, reinterpreta a velha escola à luz da contemporaneidade, escarrapachando conhecimento e savoir faire num golpe de eloquência – que nada tem de presunçoso. Andy Stott ainda desafia o melómano ao ponto de, no final do alinhamento, nos intrigar com o fantasma de Ian Curtis a calcorrear as vielas atrofiadas da electrónica enviesada. Uma maravilha para acabar 2014.
Rafael Santos
r_b_santos_world@hotmail.com

Parceiros