DISCOS
Built To Spill
Perfect From Now On
· 01 Fev 2004 · 08:00 ·
Built To Spill
Perfect From Now On
1997
Up!


Sítios oficiais:
- Built To Spill
- Up!
Built To Spill
Perfect From Now On
1997
Up!


Sítios oficiais:
- Built To Spill
- Up!
O crítico é, quase sempre, uma besta. Apressa-se a declarar a morte deste ou daquele género na capelinha das suas aparições. Mas, por vezes, apetece mesmo dizer coisas como: agora é que é, o indie rock foi-se. É mesmo desta. Acabou, está fora. E, no cortejo de finados do subagrupamento que menos fez por si nos últimos anos, pode ainda ouvir-se a enlutada guitarra a desprender as mui carpidas e dengosas notas das suas cordas – num fatal jogo de engate com um sublimado baixo e uma bateria atravessada por uma aridez decadentista.

Não é fácil igualar em atitude e influência gente como os prospectores Sonic Youth, J Mascis à frente dos insofismáveis Dinosaur Jr. ou os Jesus & Mary Chain na sua elevação constelar. O indie rock caracterizou-se, regra geral, pela reposição de fórmulas sensaboronas e por uma grosseria de registos. Contudo, houve, em tempos, uma mão-cheia de discos consistentes, decisivos mesmo, assinados por pessoas esforçadas que souberam libertar-se do enguiço boçal em que se estatelavam edições sucessivas. Hoje há um retorno do subgénero em celofane renovado que faz de servo dos preceitos da moda. E só a fruta de outras épocas parece não ter bicho.

Há excepções, claro. Mas a História não se escreve de excepções. A História não se escreve com Built to Spill, pelo menos não nas suas matérias fulcrais. Formados no estado do Idaho, na cidade de Boise, em 1992, os Built to Spill são Doug Martsch na voz, guitarra, percussão e teclados, Brett Nelson no baixo e Scott Plouf na bateria e também na percussão. Ainda antes deles, havia os Treepeople, outra das formações congénitas de Martsch e que se mudou para Seattle antes daquela febre que não foi a aftosa. Música do goto, arrancada a guitarras em cascata, prenhas de melodia e ataques convulsos.

Primeiro foi Ultimate Alternative Wavers (1993), um disco da pré-puberdade Built to Spill, ainda empedrado, a mostrar as origens rurais. Seguiu-se There’s Nothing Wrong with Love, em 1994, um molho de canções luminosas de uma banda confiante, que não se ensaia a parodiar com as suas próprias realizações. O disco termina com “Preview”, uma antevisão jocosa daquilo que seria o próximo registo. Depois de um split EP com os conterrâneos Caustic Resin, os Built to Spill assinam pela Warner Brothers mas não se vendem, jogando a partida das multinacionais com grande desembaraço.

É então editado este Perfect From Now On, uma sinopse de algumas das nomenclaturas que redefiniram o mapa do rock independente. É aqui que os temas deslizam em viagens longas, irradiam a partir da ossada principal da canção e se espraiam por entre células sonoras arejadas. Nem sempre o indie rock soube entender a utilidade da ventilação, de tubagens de ar que se esgueiram no interior das paredes de som e deixam as notas mais desabrigadas para poderem soar perceptíveis, como fluidos sonoros.

A prece inaugural, “Randy Described Eternity”, é um exercício estilizado de desafio à posteridade, que implora ”stop making that sound” numa impressão de voz afectada e doce. O disco é tacteante e belo em temas como “I Would Hurt a Fly” (“it feels like fingernails across the moon/ or do you rub your wings together”) e “Made-Up Dreams”, onde se fala de sorte sonhada e pouco mais. E depois há inesperadas mudanças de tempo, momentos em que as canções entram em ponto morto depois de torções pungentes (“Stop the Show” e “Out of Site”). A toada intimista, mais recolhida chega com “Velvet Waltz”, “Kicked It in the Sun” e “Unstrustable / Part 2 (About Someone Else)”, esta última a aflorar questões como a confiança e a entrega. Afinal, não há mesmo nada de errado com o amor, como diziam num passado recente.

O título do disco a seguir, Keep It Like a Secret (1999), veio sintetizar o alcance da formação. Os Built to Spill fazem música pop para a populaça, mas são mantidos em segredo. E assim rende mais, não viessem eles a ser adulterados pelas hordas massificadas. Ancient Melodies of the Future, de há três anos atrás, foi precedido por um registo ao vivo. No seu conjunto, todos estes trabalhos dialogam bem com ensaios de bandas como os Modest Mouse e os Quasi, que parecem ser satélites dos Built to Spill sem que isso tenha de significar desconsideração pelas mesmas.

Durante a dominação Built to Spill houve, e ainda há, The Halo Benders, um projecto que conta com Doug Martsch, Calvin Johnson (dos Beat Happening) e o grandioso Steve Fisk, entre outros. E em 2002, Martsch encetou um percurso a solo com a edição de Now You Know. Os Built to Spill são daquelas bandas do panteão do indie rock, capazes de proporcionar longos sonhos molhados aos emo kids e restantes indiezinhos, de cada vez que se fala de um novo álbum. E não é de estranhar. Os Built to Spill lavam mais branco.
Hélder Gomes
hefgomes@gmail.com

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