Na ambivalência estética é possível coerência narrativa. Embora haja quem possa discordar desta minha afirmação, compreendendo que querer muita coisa ao mesmo tempo pode ser desastroso, há raros casos em que querer agarrar o mundo com uma única mão é um gesto preciso e feliz. Apresento vos Fatima Bramme Sey, sueca a residir em Londres, que consegue à primeira o que muitos demoram anos a atingir: consistência sem se repetir. E há uma pureza invejável por aqui.

É certo que Fatima está ladeada pela nata da produção actual: ter Flako, Floating Points, Oh No ou Knxwledgeou – ou até Theo Parrish ou Shafiq Husayn, dos Sa-Ra – no payroll é um feito digno ressalvar. O que poderia correr de errado com conspiradores deste calibre? Tudo muitas vezes é nada. Podemos ter bons temas e não ter um bom álbum. Aqui tudo é bom, e o todo é exuberante. Cada canção reflecte diferentes vertentes do espectro soul e r&b com admirável clareza de espírito. Cada nova canção no alinhamento refresca a anterior. E magia acontece.

A sobriedade da voz Fatima é a linha de costura que cose os diferentes panos estilísticos. Frustrações e ambições erguem a verve argumentativa das letras. A competência para tomar pulso do universo é toda desta jovem, que sabe correr riscos – talvez mesmo nem se apercebendo de que o faz tal o gosto com que corre nesta maratona soul.

A atitude de Jill Scott, Meshell Ndegeocello e Erykah Badu assaltam a memória à primeira. E é aí que nos apercebemos como temos saudades de grandes personalidades na soul, grandes personalidades femininas que exultam o dia-a-dia num tom poético; algo digno de uma Nina Simone, Betty Wright ou Ella Fitzgerald. Yello Memories é um dos grandes de 2014; único, coerente, consciente, sensual. A catarse acontece porque estamos perante a mais deep soul do planeta. Que disco!