DISCOS
Laurent Garnier
Excess Luggage - Sonar, Detroit & PBB Mix
· 23 Jan 2004 · 08:00 ·
Laurent Garnier
Excess Luggage - Sonar, Detroit & PBB Mix
2003
F Com


Sítios oficiais:
- Laurent Garnier
- F Com
Laurent Garnier
Excess Luggage - Sonar, Detroit & PBB Mix
2003
F Com


Sítios oficiais:
- Laurent Garnier
- F Com
Cinco álbuns. Oitenta e uma remisturas registadas em quatro países. Eis o resultado das gravações levadas a cabo pelo francês Laurent Garnier – DJ, produtor, compositor, figura de proa da cena rave nos últimos anos da década de 80 em Manchester e fundador da etiqueta F Communications - durante os últimos anos, em locais tão díspares como Barcelona, Londres, Paris e Detroit, cidades com as quais o artista confessa ter um forte vínculo afectivo.

A ideia de editar alguns dos seus DJ sets entrou na mente de Garnier, após a sua colaboração com o jornalista David Brun-Lambert na escrita de Electrochoc - um livro que narra a história da música techno nos últimos 15 anos - e daí não se escapou até Outubro de 2003, data de edição de Excess Luggage e do livro. O facto de até esse momento não ter lançado algum registo que servisse de imagem ao que diziam ser as suas aparições live enquanto DJ, aliado aos insistentes pedidos dos admiradores no site do artista no sentido de apagar esta lacuna, influenciou certamente a sua decisão, mas o principal impulso brotou, sobretudo, da vontade incessante do artista em oferecer aos leitores de Electrochoc uma espécie de banda-sonora de acompanhamento à leitura do manual.

A “coisa” resultou em duas box sets: uma, composta por dois CDs que reúnem as gravações dos sets que Garnier levou ao Rex Club (Paris) em Maio de 1998 e à BBC Radio One (Londres) na Primavera de 2002; outra, por três, dos quais constam registos de gravações captadas no festival Sónar (Barcelona) no Verão de 2000, num piso subterrâneo do Motor City (Detroit) em Dezembro de 2002 e numa rádio on-line criada por si em Setembro de 2002, a Pedro’s Broadcasting Basement. À análise do escriba serve apenas a segunda box set.

Transmitir o sentido de viagem e as emoções experienciadas em ambientes tão distintos e em noites singulares - explica Garnier na press-release de Excess Luggage – tornou-se a sua grande obsessão, nomeadamente na fase de selecção de faixas. Neste ponto, Excess Luggage – título adequadíssimo às experiências nocturnas de Laurent Garnier em volta de um gira-discos desde há quinze anos para cá – cumpre a função na evocação que nos faz dos locais onde registou estes álbuns, no que essa sensação tem de positivo e de negativo. A dada altura, imaginamos um Festival Sónar dentro de um apartamento de estudantes universitários, damos um salto até um clube nocturno em Detroit e, por último, aconchegamo-nos no conforto de um sofá de sala, a relaxar, enquanto disponibilizamos os ouvidos para escutar as escolhas que um locutor muito especial preparou para a sua rádio on-line, instalada na cave da sua casa.

O desejo de mostrar e fazer ouvir as cidades por onde passou, o ecletismo dos sons que transportou na sua bagagem durante as viagens que realizou e o alheamento perante os segundos que se somam atrás de segundos vertiginosamente parecem constituir as principais coordenadas seguidas na concepção deste projecto por Laurent Garnier. Na prática, o conjunto acaba por nos levar a universos simultaneamente tão representativos desses ambientes quanto excessivos. Num momento faz todo sentido uma dada dança que nos conduz a uma sensação de bem-estar, num outro perde-se esse sentido e o cansaço começa a tomar conta de um corpo entorpecido pelo ritmo farto que vai saindo – e fugindo - das colunas. Por vezes, a música parece entranhar-se sensualmente nesse corpo já esgotado e fazê-lo recuperar em dois segundos; outras, subtrai-se a uma pastilha sensaborona.

Mix at Sonar, o primeiro cd de três, tem, curiosamente, na sua génese uma estória mais interessante do que o resultado obtido. Na que seria a sua quinta visita ao Sónar e consciente de uma possível saturação do público, Garnier fez-se passar por DJ Jamon para enganar a imprensa e surpreender a audiência. Estando reservada a sua actuação para o final da noite de Sábado e visto ninguém conhecer o DJ Jamon, a expectativa tomou proporções gigantescas. Foi nesta atmosfera de mistério e de surpresa – com alguma loucura à mistura - que Garnier foi esboçando Mix at Sonar. House, tecno e electro, eis os ingredientes. De preferência sem pausas pelo meio. Para uma noite de Verão, as remisturas de “It’s You” do projecto ESP, “Mobility” de Moby e de “Erotic Illusions” de Nick Holder terão certamente um sabor especial numa pista de dança. De resto, apesar de um ou outro apontamento exemplar, o êxtase pretendido dá, por vezes, lugar ao bocejo.

Por seu lado, Mix in Detroit, disco nascido num contexto um quanto caricato – numa noite caótica, no piso subterrâneo do bar em que supostamente Garnier iria tocar e onde horas antes se instalara a desordem e uma visita das forças policiais – apresenta-nos dois sets mais direccionados para o techno ambiental, onde pontuam interpretações de temas de Radioactive Man, Electric Soul, Moody Preachers e do próprio (conferir a mistura de techno e jazz que é “Man with the red face” e o soturno e espacial “Returning Back To Sirius”, provavelmente o mais interessante tema do conjunto). O disco encerra em chill-out mode, com uma remistura para “Desire” dos 69. Lembramo-nos dos Saint-Germain e de como o jazz pode soar tão bem no final de um set endiabrado. Para trás, além da música, ouve-se o som de uma cidade pintada a cinzento. À semelhança de Mix at Sonar, e apesar da alguma redundância encontrada no seio do alinhamento, Mixed in Detroit terá certamente um efeito diferente num local que não uma sala de estar, apesar da sugestão que Laurent Garnier faz dos ambientes dos quais sairam estes sons, em registo live.

Bem mais interessante – e surpreendente - é a setlist que deu origem a PBB Mix, o CD3, ao qual Garnier chamou Late Night Mix (não por acaso), resultado de uma emissão preparada por Laurent Garnier especialmente para a web, com o intuito de mostrar ao público a sua paixão pela rádio e o ecletismo que marca os seus gostos, mais do que transformar temas de outros em temas seus. Do naipe de preciosidades – que, de resto, abundam nesta selecção – há “Refuse Resist” do projecto Vista Le Vie, há o dramático “Madame Rêve” tão bem interpretado por Alain Bashung, há dois excertos da banda-sonora do filme 17 Fois Cecile Cassard, há a tranquilidade e a melancolia do brilhante “A Night In” dos Tindersticks, há os blues – amargos - a piano, de John Martyn, em “Strange Fruit” ou “Red Desert” de Claude Chalhoub, uma interessante incursão pelo mundo oriental, revisto à luz da electrónica. Há, sobretudo, chill-out para recompor os corpos doridos das sessões anteriores e, acima de tudo, uma grande variedade de escolhas que parece não ter ditado o alinhamento dos sets de Barcelona e de Detroit.
Tiago Carvalho
tcarvalho@esec.pt

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