DISCOS
Thee Silver Mt. Zion Memorial Orchestra
Fuck Off Get Free We Pour Light On Everything
· 05 Fev 2014 · 09:44 ·
Thee Silver Mt. Zion Memorial Orchestra
Fuck Off Get Free We Pour Light On Everything
2014
Constellation
Sítios oficiais:
- Thee Silver Mt. Zion Memorial Orchestra
- Constellation
Fuck Off Get Free We Pour Light On Everything
2014
Constellation
Sítios oficiais:
- Thee Silver Mt. Zion Memorial Orchestra
- Constellation
Thee Silver Mt. Zion Memorial Orchestra
Fuck Off Get Free We Pour Light On Everything
2014
Constellation
Sítios oficiais:
- Thee Silver Mt. Zion Memorial Orchestra
- Constellation
Fuck Off Get Free We Pour Light On Everything
2014
Constellation
Sítios oficiais:
- Thee Silver Mt. Zion Memorial Orchestra
- Constellation
O que amámos não foi suficiente, o que amamos pode muito bem sê-lo.
2014 não foge à regra dos seus antecessores e traça um retrato agreste tanto do tempo presente como do futuro. A Europa ou o ideal de Europa desmorona-se a cada passo com as políticas de austeridade, o reerguer de uma abjecta extrema-direita em países como a Grécia ou a Hungria, escândalos variados envolvendo governantes e o definhar lento dos povos cultural, social e fisicamente. No resto do mundo, o totalitarismo entranha-se como o veneno de uma aranha (Ucrânia e Venezuela), 1984 não soa assim tão distante (Estados Unidos) e a pobreza, que em certos compêndios sagrados deveria ser tratada como Cavaleira do Apocalipse de pleno direito, mantém-se impenetrável não obstante a riqueza natural do território africano. Furioso alto-mar, este, em que não existe a luz de um farol que nos guie.
"Não existe"? A depressão pode, por vezes, toldar-nos o olhar, a racionalidade, tornar a verdade numa mentira. Escrevemos que Schopenhauer era um misantropo e esquecemo-nos de que para ele a compaixão era o único imperativo ético. E, de facto, é em tempos como estes, em que cravamos as unhas no fundo do poço e partimos os dedos a tentar subi-lo, que a compaixão, a corda que alguém atira da superfície para nos ajudar a trepar, mais se manifesta. Em acções básicas, em cartazes de rua, ou até mesmo em discos; pois não é a música algo capaz de salvar uma vida ou de unir um conjunto de pessoas em torno da mesma ideia?
Serve isto para dizer duas coisas. A primeira, que Fuck Off Get Free... faz juz ao seu título e apresenta-se como uma vela acesa no meio da escuridão, sinal de que a esperança pode por vezes incomodar-nos o espírito mas existe sempre que queiramos aceder a ela. Ao longo de quase cinquenta minutos os Silver Mt. Zion escreveram o maior manifesto de felicidade aliada à revolta - ou o contrário - dos últimos anos, algo que só um artista ou um conjunto de artistas conseguiria fazer, ignorando os gráficos dos economistas que mostram percentagens em constante crescendo ou as frases-feitas de políticos cuja única leitura se resume a manuais de iniciação a vidas banais. Até pelo seu novo estatuto enquanto pai (algo que grosso modo também aumenta em vários pontos a felicidade de um indivíduo), encontramos um Efrim Menuck e uma voz que, se não aventurada, está com certeza a caminho dessa plenitude. Os Silver Mt. Zion enquanto o outro lado do espelho dos Godspeed, o anjo bom por oposição ao anjo mau nos ombros do rock - rock, esse, sem um "pós" e sem pós: apenas música e guitarras a tremer de energia.
A segunda, que vai de encontro ao e que acontece pelo que já foi dito: este é o melhor disco que os Silver Mt. Zion já fizeram. É certo que já existiam indícios de tal nos discos anteriores e na sua própria filosofia de vida, mas Fuck Off Get Free... é, sem dúvida, o *seu* punk rock. We live on an island called Montreal and we make a lot of noise because we love each other, diz-nos o futuro - a criança - no início do tema-título, uma frase que explica mais do que qualquer outra a própria estética do género desde que os Sex Pistols deram um concerto numa sala quase vazia em Manchester; podem encontrar aqui violinos e por vezes até mais do que três acordes, mas é certamente punk. Daqui para "Austerity Blues" a transbordar luz até terminar numa daquelas canções que nos sentimos tentados a descrever como maior do que a vida, até porque versa sobre isso mesmo - o gosto pela vida em oposição ao gosto pela morte, o facho de sobrevivência num mundo suicida e o lembrete ao puto de 27 anos de que morrer não é assim tão fixe, "Take Away This Early Grave Blues", a primeira parte de Fuck Off Get Free... é a banda-sonora de quem arrisca, de quem sente, de quem quer salvar primeiro o próximo para, depois, poder salvar o mundo (think globally, act locally, afinal de contas), entre o caudal de ruído máximo que nos traz à memória "Mladic", mas muito mais positiva. A melancolia ao piano de "Little Ones Run" e o cenário mais apocalíptico de "What We Loved Was Not Enough" podem trazer algum desconforto, mas tudo é isto é feito com um propósito, o de mexer com consciências, o de fazer com que pensemos menos no que passou e mais no que poderá passar. Esta última evoca o mesmo sentimento que "Wake Up" dos Arcade Fire evocou há quase dez anos: um manto de tristeza cantado com a maior alegria do mundo. O que amámos não foi suficiente, o que amamos agora pode muito bem sê-lo no futuro. A eulogia ao falecido Capital Steez só vem acentuar o sentimento de que a música, e em particular esta música, agirá como o oásis no meio do deserto, pegando em depoimentos de Fred "Sonic" Smith antes de arrancar em balada terna e plena de compaixão. Como deve ser. Fuck Off, Get Free: já ajudaram a melhorar o mundo hoje?
Paulo CecÃlio"Não existe"? A depressão pode, por vezes, toldar-nos o olhar, a racionalidade, tornar a verdade numa mentira. Escrevemos que Schopenhauer era um misantropo e esquecemo-nos de que para ele a compaixão era o único imperativo ético. E, de facto, é em tempos como estes, em que cravamos as unhas no fundo do poço e partimos os dedos a tentar subi-lo, que a compaixão, a corda que alguém atira da superfície para nos ajudar a trepar, mais se manifesta. Em acções básicas, em cartazes de rua, ou até mesmo em discos; pois não é a música algo capaz de salvar uma vida ou de unir um conjunto de pessoas em torno da mesma ideia?
Serve isto para dizer duas coisas. A primeira, que Fuck Off Get Free... faz juz ao seu título e apresenta-se como uma vela acesa no meio da escuridão, sinal de que a esperança pode por vezes incomodar-nos o espírito mas existe sempre que queiramos aceder a ela. Ao longo de quase cinquenta minutos os Silver Mt. Zion escreveram o maior manifesto de felicidade aliada à revolta - ou o contrário - dos últimos anos, algo que só um artista ou um conjunto de artistas conseguiria fazer, ignorando os gráficos dos economistas que mostram percentagens em constante crescendo ou as frases-feitas de políticos cuja única leitura se resume a manuais de iniciação a vidas banais. Até pelo seu novo estatuto enquanto pai (algo que grosso modo também aumenta em vários pontos a felicidade de um indivíduo), encontramos um Efrim Menuck e uma voz que, se não aventurada, está com certeza a caminho dessa plenitude. Os Silver Mt. Zion enquanto o outro lado do espelho dos Godspeed, o anjo bom por oposição ao anjo mau nos ombros do rock - rock, esse, sem um "pós" e sem pós: apenas música e guitarras a tremer de energia.
A segunda, que vai de encontro ao e que acontece pelo que já foi dito: este é o melhor disco que os Silver Mt. Zion já fizeram. É certo que já existiam indícios de tal nos discos anteriores e na sua própria filosofia de vida, mas Fuck Off Get Free... é, sem dúvida, o *seu* punk rock. We live on an island called Montreal and we make a lot of noise because we love each other, diz-nos o futuro - a criança - no início do tema-título, uma frase que explica mais do que qualquer outra a própria estética do género desde que os Sex Pistols deram um concerto numa sala quase vazia em Manchester; podem encontrar aqui violinos e por vezes até mais do que três acordes, mas é certamente punk. Daqui para "Austerity Blues" a transbordar luz até terminar numa daquelas canções que nos sentimos tentados a descrever como maior do que a vida, até porque versa sobre isso mesmo - o gosto pela vida em oposição ao gosto pela morte, o facho de sobrevivência num mundo suicida e o lembrete ao puto de 27 anos de que morrer não é assim tão fixe, "Take Away This Early Grave Blues", a primeira parte de Fuck Off Get Free... é a banda-sonora de quem arrisca, de quem sente, de quem quer salvar primeiro o próximo para, depois, poder salvar o mundo (think globally, act locally, afinal de contas), entre o caudal de ruído máximo que nos traz à memória "Mladic", mas muito mais positiva. A melancolia ao piano de "Little Ones Run" e o cenário mais apocalíptico de "What We Loved Was Not Enough" podem trazer algum desconforto, mas tudo é isto é feito com um propósito, o de mexer com consciências, o de fazer com que pensemos menos no que passou e mais no que poderá passar. Esta última evoca o mesmo sentimento que "Wake Up" dos Arcade Fire evocou há quase dez anos: um manto de tristeza cantado com a maior alegria do mundo. O que amámos não foi suficiente, o que amamos agora pode muito bem sê-lo no futuro. A eulogia ao falecido Capital Steez só vem acentuar o sentimento de que a música, e em particular esta música, agirá como o oásis no meio do deserto, pegando em depoimentos de Fred "Sonic" Smith antes de arrancar em balada terna e plena de compaixão. Como deve ser. Fuck Off, Get Free: já ajudaram a melhorar o mundo hoje?
pauloandrececilio@gmail.com
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