DISCOS
Mazzy Star
Seasons Of Your Day
· 17 Set 2013 · 11:05 ·
Mazzy Star
Seasons Of Your Day
2013
Rhymes Of An Hour Records
Mazzy Star
Seasons Of Your Day
2013
Rhymes Of An Hour Records
A esperança é a última a morrer.
Aconteceu por volta do minuto 3:30 de "California": toda uma série de traumas e de conflitos e de depressões acumulados e escondidos ao mundo durante semanas a fio, uma bigorna emocional atrelada às costas e aos anos de vida, milhares de milhões de momentos obrigatórios de força que são subitamente quebrados pela voz e pela reaparição quase-mariana de Hope Sandoval, cantando o refrão da faixa número dois de Seasons Of Your Day, arrastada pelas marés de sizígia da guitarra de David Roback, que de pronto humedeceram o olhar e obrigaram ao baixar da cabeça; "California" não é apenas uma canção, é a derrota total da alma. Não havia preparação possível para isto. Dezassete anos depois, os Mazzy Star regressam aos discos e continuam tão devastadoramente belos como quando a aura psych de She Hangs Brightly nos atormentou noites a fio no auge da adolescência. Esperava-se que tivessem envelhecido, alterado de algum modo o esquema que desenharam em seis anos, na ida década de noventa; continuam iguais a si próprios e deverá haver um Deus qualquer ao qual tenhamos que agradecer.

Se bem que Hope Sandoval - desde sempre a figura que nos surge quando pensamos em Mazzy Star, pese embora a magia slide guitar de Roback - nunca tenha desaparecido do nosso imaginário. Naqueles anos perversos em que o duo parecia ter terminado actividade, Hope (quão maravilhoso, e quão irónico, é ter um nome assim associado a esta sonoridade) rodeou-se de gente tão díspar quanto os Jesus & Mary Chain ou os Chemical Brothers, encetou uma carreira a "solo" auxiliada por Colm Ó Cíosóig, e pairou, rarefeita, brincando com os demónios pessoais de dois tipos diferentes de cabrões descontentes: os que se trancavam no quarto a escutá-la e os que se passeavam em centros comerciais sob a maldição de "Fade Into You". Em 2011, "Common Burn" e "Lay Myself Down", as primeiras canções dos Mazzy Star desde Among My Swan, e que encontraram o seu espaço neste disco, abriram o apetite para o que se seguiria - um novo disco, uma nova tour, uma nova forma de criar memórias através da Americana atordoante do duo nascido na solarenga Los Angeles.

Não há aqui, contudo, sol que nos valha. No oceano que é a discografia dos Mazzy Star, Hope sempre foi a sereia de milhares de Ulisses - não há como lhe fugir a não ser que não a escutemos de todo. Poucas mulheres terão cantado de tal forma o amor e a perda. Nenhuma o terá feito de forma tão lânguida. Ver que a sua voz em quase nada se alterou desde She Hangs Brightly é um anti-bálsamo, rebenta com a emotividade de cada um. "In The Kingdom", órgão com sabor católico e guitarra, destapa um pouco esse véu que Hope sempre teimou em colocar-nos à frente (e quão doce é a sua timidez), antes de arrancarmos para a supracitada "California" e ficarmos com um receio imenso daquilo que se poderá seguir - muitos poderão desistir por aqui e ninguém terá razão para os criticar. Felizmente, "I've Gotta Stop", mais folk do que faca, proporciona o mínimo de fôlego necessário para que possamos continuar a escutar Seasons Of Your Day como o disco merece: de uma ponta à outra, sem pausas.

Num ano de regressos, é mais que provável que a estrela Mazzy seja toldada pelo cometa MBV ou pela galáxia Bowie. E, no entanto, é assim que os Mazzy Star quererão permanecer: escondidos e escurecidos, deitados permanentemente no underground das canções, à espera que venham ter com eles apenas aqueles que verdadeiramente deles precisarem, ou seja, os eternos suicidas deste mundo. A folk tingida de maravilha de "Lay Myself Down", o embalo de "Sparrow", a destreza de "Spoon" e os sete minutos bluesy de "Flying Low" encerram de forma categórica um disco que há muito se pedia, já que enquanto houver vida, há esperança, e enquanto houver Hope, há toda uma vida contida, paradoxalmente, nesta morte que são as suas canções. Bem-vindos de volta ao sítio de onde nunca saíram: um coração a precisar de ser encharcado.
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com

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