De arqueólogo temos todos um pouco. Por vezes encontramos velhas fotografias de família espalhadas dentro de caixas guardadas dentro de armários que não abríamos há anos. Por vezes encontramos o livro de BD que nos ensinou a ler. Por vezes, em viagens, pisamos uma aldeia do interior, assolados por uma estranha sensação de déjà vu; há memórias de tudo isso prontas a serem retiradas, escavadas. Arqueologia de nós próprios - o que é bastante diferente de nostalgia: esta vem a seguir, alimentada pelas descobertas. No caso da música, existe toda a noção de retromania, o fascínio pelo passado e pelo que se fez há vinte ou trinta anos atrás quando os termos .mp3 e .rar não faziam parte do léxico de ninguém. A Capture Tracks, grupo de arqueólogos, tem-se dedicado nos últimos tempos a escavar as profundezas do indie, com resultados mais ou menos apetecíveis.

Entram em cena os Bona Dish: sabe-se apenas que eram um quarteto, dois homens, duas mulheres, uma cassete editada e o selo de qualidade John Peel. Perderam-se algures entre toda a explosão pós-punk que tomou conta da cena underground britânica na década da crise, mas o olhar atento da editora permitiu que o grupo não fosse purgado da história. The Zaragoza Tapes abarca todas as canções que os Bona Dish gravaram, compêndio punk funk onde se encontram linhas de baixo não muito diferentes na sua capacidade de fazer gingar das ESG e guitarras tão frágeis que parecem quebrar ao mínimo toque (não quebram); uma compilação que tem tanto de bom como de fascinante, na medida em que não responde à nossa maior dúvida, ao escutá-los: como se puderam eles perder?

Talvez seja o tal cliché triste - cresceram, fartaram-se, arranjaram empregos, casaram, perpetuaram a espécie. Uma lástima, de facto, mas The Zaragoza Tapes, ao menos, permitirá aos Bona Dish serem jovens para sempre. Canções bonitas sobre pós-bebedeiras matinais ("8am", docinho surf), amores que não resultaram ("Fractured Heart"), o fim do mundo ("Mutation"), ou até sobre nada - é o caso das pequenas fritarias tribais pop/rock ("Jungle"). Em menos de quarenta minutos temos aqui um tesourinho para guardar e acarinhar. Alguém abençoe a arqueologia.